Crise de água: modismo, futurologia ou uma questão atual?

O problema da escassez de água doce já é uma realidade em vários locais do planeta. Alguns dos aspectos dessa crise vêm sendo discutidos na área acadêmica e por autoridades políticas e organizações não-governamentais, mas o grande público ainda não percebeu a importância da questão.

Ana Lúcia Brandimarte

A água doce é essencial para a humanidade, mas a maioria das pessoas não se dá conta de que o aumento da população mundial, e portanto das atividades agrícolas e industriais, está reduzindo a qualidade desse recurso e tornando-o mais escasso em algumas regiões. O problema já é uma realidade em vários locais do planeta, preocupando cientistas e autoridades públicas e levando à adoção de medidas que evitem o desperdício ou a degradação das reservas hídricas. Leis mais sensíveis à importância dessa questão e a conscientização de cada indivíduo de que essa ameaça envolve a todos são os primeiros passos na busca de um uso mais sustentado da água na Terra.

A água doce, indispensável à vida, é um recurso renovável, mas relativamente escasso em algumas regiões da Terra. A maior demanda (decorrente do crescimento acelerado da população humana), o desperdício e o uso inadequado podem esgotar ou degradar esse recurso. Problemas desse tipo já ocorrem em certas áreas ou regiões, e acredita-se que a médio prazo, mantidas as atuais formas de uso da água, poderão abranger todo o planeta, gerando uma crise global da água.

Alguns dos aspectos dessa crise já vêm sendo discutidos na área acadêmica e por autoridades políticas e organizações não-governamentais. No entanto, o principal interessado — o grande público — ainda não percebeu a importância dessa questão e não conhece a fundo suas causas e conseqüências. Este trabalho, baseado em aulas de ecologia ministradas no curso de ciências biológicas da Universidade de São Paulo, apresenta fatos e argumentos que podem auxiliar a compreensão da problemática da água e a busca de soluções.

Essa questão preocupante está diretamente associada aos impactos das ações humanas sobre os ambientes de água doce, mas não basta identificar tais impactos. É necessária uma visão de maior alcance, que abranja a avaliação das causas e efeitos dos problemas existentes e o desenvolvimento e adoção de medidas que remediem os já constatados e previnam não só a sua repetição em outros lugares como também o surgimento de novos tipos de impacto. Essa visão certamente inclui a divulgação de todas essas informações em linguagem mais simples, para que a discussão atinja um número maior de pessoas. Afinal, a crise da água diz respeito a todos.

Fator limitante da vida humana

A água doce (menos de 3% de toda a água existente no mundo) é a forma desse recurso usada primariamente pelo homem. A água salgada, encontrada nos oceanos e em algumas áreas continentais (97,25% do total), precisa passar por um processo de dessalinização antes do uso. A parcela imediatamente utilizável, presente em rios e lagos e nos aqüíferos subterrâneos, alcança em torno de 22% do estoque mundial de água doce. A maior parte do restante está em geleiras (nos pólos e nas montanhas de grande altitude), o que dificulta seu aproveitamento.

O corpo humano, como o dos outros seres vivos, é formado principalmente por água, o que torna esse recurso essencial à vida. Por isso, o homem precisa ingerir água com freqüência, diretamente ou através dos diferentes alimentos. Grande parte das atividades humanas cotidianas também depende da água, como cozinhar, tomar banho, lavar (alimentos, roupas, quintais etc.), assim como as indústrias (que exigem grandes quantidades em alguns setores), a agricultura e até os esportes e o lazer (em piscinas). O homem tem extrema dependência da água doce, e como o volume desse recurso no ambiente é relativamente pequeno, ele é considerado um fator limitante para a espécie humana.

A crescente demanda mundial

Nas últimas cinco décadas, a população humana aumentou de forma rápida, até atingir o número atual: cerca de 5,7 bilhões de pessoas. Esse intenso crescimento está em parte relacionado às novas tecnologias industriais, que levaram à criação de novas drogas e à melhoria das condições de saneamento, em especial nas regiões urbanas mais desenvolvidas. Uma das conseqüências da explosão populacional foi a demanda crescente de água para atender necessidades básicas, como beber e cozinhar, e para as demais atividades ligadas à produção e ao lazer.

Quando se fala em aproveitamento da água, é importante diferenciar o uso e o consumo. O uso é a retirada de água do ambiente para suprir necessidades humanas, e esse termo implica que uma parte do que é aproveitado volta para o ambiente (caso da água usada para cozinhar ou para o banho). Já o consumo refere-se à parcela que não retorna de modo direto para o ambiente (como a água usada na irrigação de uma plantação, que passa a fazer parte dos tecidos vegetais).

A necessidade de alimentar uma população cada vez maior fez o setor agrícola, com a ajuda de novas tecnologias, aumentar bastante sua produtividade. Isso tem sido obtido, no entanto, às custas do uso e do consumo elevados de água. Anualmente, a agricultura é responsável por 65% do uso e 87% do consumo total de água no mundo. Além disso, muitas atividades industriais, que fornecem produtos tidos como indispensáveis ao homem moderno, requerem enormes quantidades de água. Em termos globais, a indústria usa 24% e consome 4% da água hoje aproveitada. O baixo percentual de consumo, em relação ao uso, indica que a maior parte da água utilizada em processos industriais retorna ao ambiente, embora freqüentemente poluída.

Uso excessivo e degradação

A água doce, apesar de sua importância, é mal utilizada. O mau uso caracteriza-se tanto pelo uso excessivo, ou seja, o abuso ou desperdício (que reduz a quantidade disponível), quanto pelo uso inadequado, ou inescrupuloso, que leva à degradação do recurso (o que reduz sua qualidade).

O uso excessivo pode acarretar a diminuição do volume, ou o esgotamento, dos aqüíferos subterrâneos, e mesmo dos estoques de água existentes na superfície, em lagos e rios. A questão da água subterrânea é crucial, pois grande parte da população mundial depende dessa fonte para seu abastecimento. No Brasil, por exemplo, 49% dos municípios são abastecidos total ou parcialmente com água de poços profundos ou rasos, segundo dados do Atlas do meio ambiente do Brasil (1966), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Além da ameaça a seus estoques, os aqüíferos também têm sido contaminados por diversos poluentes, de origem industrial, agrícola e doméstica.

Deve ser lembrado que os estoques naturais de água não são distribuídos de modo eqüitativo no globo terrestre. Assim, o uso excessivo de água tende a ser mais problemático em locais naturalmente mais secos. No entanto, mesmo em áreas onde a água é abundante, a degradação de rios, lagos e depósitos subterrâneos é uma forma potencial de redução de sua disponibilidade.

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