Oswaldo Cruz
   
De posse da lista de material a ser adquirido, organizada pelo novo diretor técnico, partiu o Barão para a Europa. Em Paris conseguiu contratar apenas o veterinário Henri Carré, colaborador de Yersin na produção da primeira vacina anti-pestosa; é que, o governo brasileiro só o autorizara a oferecer contratos pouco atraentes além de inoperantes, pelo prazo máximo de seis meses.

Instalados os laboratórios, iniciaram-se os trabalhos, sem qualquer cerimonial, em 25 de maio de 1900, sob o peso de ingente tarefa a ser cumprida, além dos diretores administrativo e técnico, por três profissionais - o Coronel-Médico Ismael da Rocha, bacteriologista do Serviço de Saúde do Exército; o médico Henrique de Figueiredo Vasconcellos, assistente do Instituto Vacínico; e o veterinário H. Carré - e um estudante de medicina, Ezequiel Caetano Dias. Mas logo viu-se a Prefeitura impossibilitada de continuar mantendo a nova instituição, que foi transferida para a Diretoria de Saúde Pública do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, e inaugurada oficialmente em 23 de julho como Instituto Soroterápico Federal.

Pouco depois, a equipe inicial era desfalcada de dois componentes: Ismael da Rocha, chamado de volta para o laboratório do Exército, e Carré, que regressava à França com problemas de saúde, segundo uns, ou com receio da febre amarela, segundo outros. Mas a competência dos restantes já estava comprovada, sendo julgada necessária apenas a contratação de um estudante de medicina, Antônio Cardoso Fontes, e de alguns auxiliares.

Nenhum dos cinco remanescentes tinha a mínima experiência em vacina ou soro contra a peste. Apenas Oswaldo Cruz havia visitado a seção de soros do Instituto Pasteur, mas seu interesse estava no preparo da antitoxina diftérica. Tanto em relação à vacina quanto ao soro, os dados disponíveis na escassa literatura careciam de detalhes precisos que permitissem seu preparo fora dos laboratórios produtores.

 

PRIMEIRAS PRODUÇÕES RELEVANTES

Utilizando inicialmente o bacilo que isolara em Santos e aperfeiçoando os métodos conhecidos, conseguiu Oswaldo Cruz que o recém-criado Instituto produzisse, apenas seis meses depois de sua fundação, uma vacina e um soro que logo seriam reconhecidos internacionalmente como excelentes (segundo Émile Roux) e entre os mais eficazes então existentes (segundo W. Kolle e R. Otto, do Instituto de Doenças Infecciosas de Berlim - diretor Robert Koch). O "estado da arte" a respeito foi exposto em extenso artigo no Brazil-Medico em 1901, onde são detalhados "os argumentos e factos que orientaram o Instituto na escolha do processo que adoptou", o método de fabricação, a técnica da vacinação, as vantagens da vacina e os cuidados que deviam acompanhar sua aplicação.

Entretanto, a primeira publicação do novo Instituto, também no Brazil-Medico de 1901, nada tem a ver com a peste, intitulando-se "Contribuição para o estudo dos culicidios do Rio de Janeiro, pelo Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz (trabalho do Instituto de Manguinhos)". Revela o inconformismo do autor com a idéia de uma instituição meramente destinada à fabricação de soros e vacinas. Há menos de três anos (novembro de 1898) os italianos Amico Bignami, Giovanni Battista Grassi e Giuseppe Bastianelli haviam demonstrado a transmissão da malária por mosquitos anofelinos, devia pois o Instituto, além do absorvente compromisso que assumira, chamar a si a tarefa de reconhecer os representantes brasileiros desse grupo zoológico. O Anopheles lutzi, espécie nova descrita nesse trabalho, sabe-se hoje que ocorre do Amazonas ao Rio Grande do Sul, e também na Bolívia, no Paraguai e na Argentina. Essa publicação inaugura o estudo da entomologia médica brasileira por pesquisadores nacionais, sendo seguida por três outras, até 1907. Todas elas aparecem como trabalhos do autodenominado "Instituto de Manguinhos". Nesse ínterim são publicadas mais cinco contribuições de Arthur Neiva, Carlos Chagas e Antônio Peryassú sobre culicideos do Brasil, firmando os alicerces de uma escola altamente produtiva de entomologistas e acarologistas que se desenvolveria até os dias atuais.

A intenção de fazer do Instituto um centro de investigação científica original que fundamentasse as atividades aplicadas transparece nas publicações de Oswaldo Cruz. Com exceção de duas - "A vaccinação anti-pestosa"(1901) e "Dos accidentes em sorotherapia"(1902), assuntos inerentes à finalidade oficial da instituição e que aparecem como trabalhos do "Instituto Sôrotherapico Federal (Instituto de Manguinhos)", todas as demais referem apenas "Instituto de Manguinhos". Mesmo um artigo sobre "Peste", de âmbito abrangente (epidemiologia, microbiologia, transmissão, sintomatologia, anatomia patológica, diagnóstico, tratamento e profilaxia), não lidando especificamente com soros e vacinas , é "Trabalho do Instituto de Manguinhos". Essa referência continua aparecendo mesmo nas publicações posteriores à mudança do nome para Instituto Oswaldo Cruz.

Ainda durante a gestão do Barão como diretor administrativo (posto ao qual renunciou em dezembro de 1902), começam a acorrer ao Instituto estudantes de medicina, em busca de estágio ou de orientação para suas teses, então indispensáveis para a graduação. Outros temas de pesquisa foram sendo rapidamente adotados em diversos domínios: hematologia, bacteriologia, protozoologia, virologia, imunologia e helmintologia. Inicia-se então radical mudança no panorama acadêmico do Rio de Janeiro: em vez das habituais compilações baseadas na literatura corrente, surgem em número crescente monografias baseadas em pesquisas originais que só excepcionalmente versam sobre a peste. Nomes que ilustrariam a ciência biomédica nacional tiveram sua formação aperfeiçoada e direcionada sob a orientação de Oswaldo Cruz no "Instituto de Manguinhos". Entre outros, Carlos Chagas, Ezequiel Dias, Antônio Cardoso Fontes, Eduardo Rabello, Paulo Parreiras Horta, Henrique de Beaurepaire Aragão, Affonso MacDowell, Henrique da Rocha Lima, Raul de Almeida Magalhães, Arthur Neiva, Antônio Gonçalves Peryassú, José Gomes de Faria, Alcides Godoy , Arthur Moses para referir somente os autores de algumas entre as 23 teses produzidas de 1901 a 1910. O fato de constarem desta lista não apenas nomes que ingressaram no quadro de pesquisadores do Instituto, mas também outros que fora dele tornaram-se proeminentes em suas especialidades, mostra a influência do Instituto na renovação científica do país.

Além das teses, durante essa mesma fase produz o Instituto 120 publicações originais em periódicos nacionais (a grande maioria no Brazil-Medico) e em revistas internacionais altamente seletivas, como Centralblatt für Bakteriologie, Biologischen Zentralblatt, Archiv für Protistenkunde, Archiv für Schiffs und Tropen-Hygiene, Zeitschrift für Hygiene und Infektionskrankheiten, Münchener Medizinische, Annales de l’Institut Pasteur, Comptes Rendus de la Société de Biologie e Bulletin de la Société de Pathologie Exotique. Por essa época a lista de revistas científicas assinadas para a Biblioteca do Instituto ultrapassava 420 títulos.

NASCE O IOC

Até 1907, quando o Instituto foi premiado com a grande medalha de ouro do Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Berlim, sua produção científica, divulgada pelos periódicos mencionados, resultava do trabalho de jovens pesquisadores que nunca tinham freqüentado outro centro de investigação. Só depois daquele evento cientistas renomados como Stanislas von Prowazek, Gustav Giemsa e Max Hartmann manifestaram interesse em trabalhar nos laboratórios de Manguinhos, aqui permanecendo por longo tempo colaborando em estudos sobre varíola, citologia, soro antidiftérico, espiroquetose, ciliados, amebas, triconinfas, hemogregarinas e outros protozoários.

O impacto da premiação do Instituto foi decisivo em outros aspectos. O projeto que transformava o Instituto Soroterápico Federal em "Instituto de Patologia Experimental", adormecido há longo tempo no Congresso, foi rapidamente aprovado e sancionado pelo presidente Affonso Penna, como Decreto n° 1812, em 12 de dezembro de 1907. Ao ser aprovado pelo Governo o respectivo regimento, em 19 de março de 1908, foi oficialmente adotada a denominação "Instituto Oswaldo Cruz".

Inaugurado em 1908, o Curso de Aplicação foi a primeira escola brasileira de pós-graduação, verdadeira inovação no panorama científico nacional. Nele se ensinava e trabalhava, durante dois anos, sobre métodos de investigação e experimentação em microscopia, microbiologia, imunologia, física e química biológica e parasitologia sensu lato.

Foi assim que especificamente destinado à fabricação de soro e vacina contra a peste e à campanha contra essa endemia, o Instituto Soroterápico formou um pequeno grupo que rapidamente absorveu e ampliou o conhecimento científico e tecnológico necessário ao sucesso da empresa. De posse desse know-how, uma estrutura medíocre limitar-se-ia a uma produtividade rotineira, de grande utilidade social mas confinada à sua finalidade imediata. Quis o acaso, porém, que à frente do empreendimento estivesse alguém preparado para entender que esse bem sucedido primórdio científico e tecnológico podia ser ampliado para abranger outros campos da patologia nacional. Com um desenvolvimento científico nivelado aos mais altos padrões da época, associado à transmissão do conhecimento através do Curso de Aplicação e à produção de vários agentes profiláticos, terapêuticos e diagnósticos, já em 1909 o Instituto Oswaldo Cruz havia assumido, numa seqüência inversa, as tarefas que hoje caracterizam a moderna Universidade: ensino, pesquisa e extensão. E, para melhor assegurar a difusão do conhecimento gerado em seus laboratórios, pôs em circulação a partir de 1909 as "Memórias do Instituto Oswaldo Cruz", atualmente o mais antigo periódico biomédico da América Latina.

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Bibliografia:

e Senado Federal


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