A Crise de 1929
 

A débâcle financeira foi enfrentada com o Emergency Bank Bill de 9 de março de 1933 e pelo Glass-Steagall Act de junho do mesmo ano. Esses dois instrumentos legais permitiram um maior controle do Federal Reserve sobre o sistema bancário. Roosevelt facilitou o refinanciamento dos débitos das empresas, sobretudo da imensa massa de dívidas dos agricultores, estrangulados pela queda de preços. O New Deal utilizou a Reconstruction Finance Corporation, criada por Hoover em janeiro de 1932, para promover a reestruturação do sistema bancário e financeiro.

Em seu excelente trabalho sobre os anos 20 e 30, o professor Frederico Mazzuchelli mostra a importância das medidas de Roosevelt para o saneamento do sistema financeiro americano: impôs a separação entre os bancos comerciais e de investimento; criou a garantia de depósitos bancários; proibiu o pagamento de juros sobre depósitos à vista e estabeleceu tetos no pagamento de juros para os depósitos e prazo (o Regulamento Q sobreviveu até o 1965).

Os bancos relutaram em aceitar a forte intervenção do Estado no sistema financeiro. As medidas brecaram a corrida bancária e deram efetividade à execução de uma política de provimento de liquidez e de direcionamento do crédito, em beneficio da recuperação econômica. Diga-se que o grand monde financeiro americano jamais se conformou com a regulamentação imposta aos bancos e demais instituições não-bancárias pelo Glass-Steagall Act, no início dos anos 30. Foi também grande a resistência dos negócios do dinheiro às propostas de Keynes e de Dexter White, apresentadas em 1944 para reformar a arquitetura financeira internacional, feita em pedaços pela artilharia pesada da Grande Depressão.

Franklin Roosevelt acreditava nos mercados administrados e no controle do capitalismo. O New Deal era visto, naturalmente, com horror por J.P. "Jack" Morgan, o júnior. Em 1935, a multidão de desempregados e empobrecidos vivia dos programas de obras públicas e de assistência social do Estado. Ao desembarcar de uma viagem à Europa, ainda a bordo do Queen Mary, o desastrado herdeiro de John Pierpont, proclamou: "Todos os que ganham dinheiro nos Estados Unidos trabalham oito meses por anos para sustentar o governo". A indignação popular quase incendiou o país.

O historiador Ron Chernow escreve em seu livro "The House of Morgan" que John Pierpont deixou de ser uma pessoa para tornar-se o símbolo político dos ricos e reacionários que se opunham à justiça social. Advogado formado em Harvard, o conselheiro legal de Roosevelt (mais tarde juiz da Suprema Corte), Felix Frankfurter, escreveu ao presidente: "Quando os homens mais proeminentes do mundo da finança escancaram atitudes moralmente obtusas e anti-sociais, chega-se à conclusão de que o verdadeiro inimigo do capital não é o comunismo, mas os capitalistas e sua corte de escribas e advogados".

A Era Progressiva e o New Deal foram momentos de rebelião democrática e ascensão econômica das massas. Não há como negar que os newdealers estenderam sua influência até os anos 50 e 60, o período da "era dourada" do capitalismo. Desde Reagan, a alta finança voltou a ocupar uma posição de predomínio na hierarquia dos interesses que se digladiam no interior do Estado americano. É deste ponto de vista que devem ser analisadas as mudanças ocorridas no pensamento econômico e nas recomendações de política.

Nos 90, as proezas do capitalismo destrambelhado foram cantadas em prosa e verso. Nos Estados Unidos, a população remediada se comportou como sempre: tentou surfar na onda do enriquecimento fácil e ilimitado. Os tempos não podiam ser mais benfazejos para os vigaristas, encantadores de serpente, pitonisas e oráculos de todo o gênero.

A conversa mole de transparência e austeridade encobriu o movimento real das coisas: sob o véu da racionalidade econômica esgueirava-se a mão que iria promover a desvalorização da riqueza e colocar em risco a saúde do sistema financeiro americano. Os gênios da "nova economia" estão dispostos a utilizar quaisquer métodos para desqualificar as resistências aos seus anseios. Imobilizaram homens e mulheres nas teias do pensamento uniformizado e repetitivo: "não há alternativa".

Os últimos acontecimentos protagonizados pelos mercados mostram que é preciso conter a mula-sem-cabeça da finança desregulada. Sob pena das economias nacionais e seus cidadãos serem atormentados periodicamente pelas tropelias da mão invisível.

Luiz Gonzaga Belluzzo é economista, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, professor titular aposentado da Unicamp, consultor editorial da revista Carta Capital e vencedor do prêmio Juca Pato em 2005.

Mais sobre o tema: Veja comparação entre a crise de 1929 e a crise atual (2009) - Fonte Planeta Educação

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