Conjuração Mineira
 

Tiradentes morreu solteiro. A morte seria o fim de seu sonho maior — a independência do Brasil, a começar pela das Minas Gerais, tentada por meio do movimento que ficou conhecido como Inconfidência Mineira. Esse nome foi usado durante bastante tempo, inclusive pelos historiadores brasileiros, embora criado pelas autoridades portuguesas: para elas, os revoltosos de Minas eram "inconfidentes", ou seja, traidores. Hoje, os historiadores preferem o nome Conjuração Mineira. Também às autoridades portuguesas se deve o fato de o alferes ter ficado conhecido como Tiradentes. Era uma maneira depreciativa de referir-se ao líder rebelde. Esse nome, porém, ficou — só que o apelido originalmente pejorativo tornou-se um símbolo de independência e heroísmo. Pois a história dessa rebelião, com seu programa político, o modo como se organizou e seu desfecho trágico, confundem-se em grande parte com a história dos últimos anos de vida do Tiradentes.

A história da Conjuração. Tiradentes conheceu o Brasil trabalhando e viajando. Assim aprendeu como era rico o solo mineiro e até que ponto o país era espoliado. Entendeu também que não haveria saída possível enquanto o país fosse uma colônia. Por isso, ao partir para o Rio de Janeiro, em 1787, o projeto de canalização de água anunciado como razão da viagem era na verdade apenas um objetivo preliminar: ele esperava que esse projeto de engenharia financiasse o projeto maior — o político. Começou nessa época sua pregação revolucionária. Foi então que conheceu dois rapazes que haviam estudado na Europa e voltado com idéias de independência: Domingos Vidal de Barbosa e José Álvares Maciel. Os dois iriam participar do movimento. Barbosa era médico e Maciel formara-se em filosofia, especializando-se em química, mineralogia e aerostática (naquele tempo as ciências naturais faziam parte da filosofia). Foi Maciel quem deu a Tiradentes uma compilação de leis da nova república norte-americana.

O grupo foi-se formando: Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga, Carlos Correia de Toledo, Luís Vieira da Silva, Francisco de Paula Freire de Andrade.

Cláudio Manuel da Costa estudara em Coimbra. De volta a Minas, advogou em Mariana, onde nascera, e em Vila Rica, onde morreria. Foi secretário do governo da capitania de Minas Gerais e juiz em Vila Rica. Como poeta, tinha gosto neoclássico, trabalhou para reviver as formas do quinhentismo português e publicou sua poesia com o nome de Glauceste Satúrnio. Fundou o movimento poético chamado Arcádia Ultramarina. À época da conjuração, tinha sessenta anos.

Inácio José de Alvarenga Peixoto nascera no Rio, estudou em Coimbra e chegou a ser juiz em Sintra, também em Portugal. Foi ouvidor da comarca do rio das Mortes. Como poeta, considerava-se discípulo de Cláudio Manuel da Costa. Participou do movimento arcádico mineiro e sua obra em grande parte se perdeu.

Tomás Antônio Gonzaga nascera no Porto, em Portugal. Estudou direito em Coimbra, foi juiz em Beja e ouvidor em Vila Rica. De sua poesia destacam-se duas obras: uma são os versos conhecidos sob o título geral de Marília de Dirceu (Marília era o nome poético que dava a Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, de quem ficaria noivo, e Dirceu era o seu próprio nome poético); a outra obra são as Cartas chilenas, uma sátira à província das Minas Gerais e aos desmandos do Fanfarrão Minésio, identificado como o governador Luís da Cunha Menezes, antecessor do visconde de Barbacena.

Mas nem só de poetas viveria a conjuração, que teve adesões também entre os militares e o clero. Francisco de Paula Freire de Andrade era tenente-coronel e comandante do regimento de Dragões. Carlos Correia de Toledo era padre e vigário de São João d’el Rei. Luís Vieira da Silva era cônego.

Conseguidas dezenas de adesões, os planos tomaram forma: fundar em Minas uma república independente; mudar a capital de Vila Rica para São João d’el Rei; adotar a bandeira branca com um triângulo ao centro, representando a Santíssima Trindade, e a divisa Libertas quae sera tamen (Liberdade ainda que tardia); abrir fábricas de ferro, pólvora e outras indústrias; criar uma casa da moeda. Alguns pensavam até em libertar os escravos. O plano foi sendo detalhado: esperar o dia de uma derrama que estava anunciada, a fim de aproveitar a indignação geral e mobilizar apoio para a revolta; distribuir entre os conjurados a tarefa de sublevar as várias vilas. Ao mais graduado, o tenente-coronel Paula Freire de Andrade, caberia o golpe final — prisão do governador, o visconde de Barbacena. A senha para a eclosão do movimento era "Tal dia é o batizado".

Tiradentes possuía grandes qualidades revolucionárias: paixão pela causa, poder de argumentação, capacidade de organização. Não tinha, porém, a paciência e a prudência revolucionárias. Pregava o levante de forma tão aberta que fatalmente se expunha à delação. Com efeito, a rebelião já era do conhecimento público quando a delação afinal ocorreu. O coronel de cavalaria e negociante Joaquim Silvério dos Reis; o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago; e o mestre-de-campo Inácio Correia Pamplona, todos portugueses, infiltraram-se no círculo dos revoltosos e entregaram ao governador os detalhes da conjuração. Joaquim Silvério dos Reis foi mais além: seguiu Tiradentes até o Rio (onde ele ia conspirar, sempre a pretexto de projetar obras públicas) e informou às autoridades locais onde pernoitava o Tiradentes. Já então, no Rio, o vice-rei D. Luís de Vasconcelos recebera do visconde de Barbacena, seu sobrinho, o pedido para prender Tiradentes. Em 10 de maio de 1789, ele foi detido.

Enquanto isso, em Minas, o governador interrogava outros implicados, e as prisões se sucediam. Duas devassas foram abertas, uma no Rio, outra em Minas. Acareados com testemunhas de acusação, os réus juravam inocência, mas ora desmentiam de maneira frouxa as acusações contra os companheiros, ora chegavam a dar informações valiosas. O depoimento de Domingos Vidal de Barbosa, por exemplo, comprometeu José Álvares Maciel e Tiradentes, especificando até que o alferes se encarregaria de dar cabo do governador.

Dois acusados acabariam tendo um fim terrível. O velho poeta Cláudio Manuel da Costa, apavorado com os rumos da devassa, enforcou-se na prisão (segundo alguns historiadores, foi assassinado, mas essa versão não está provada). E Tiradentes teve seu fim, ainda muito mais terrível, determinado na sentença que encerrou a devassa:

"Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas Gerais, a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios e povoações, até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu".

Foi Tiradentes que assumiu a responsabilidade principal por todo o plano de rebelião. Ao fim da devassa, lavraram-se onze sentenças de morte, várias de degredo e algumas absolvições. Uma carta régia datada de 15 de outubro de 1791, assinada por D. Maria I, autorizava a comutar as penas de sangue em degredo na África com ameaça de morte em caso de volta ao Brasil. A alçada que julgou os conjurados decidiu confirmar a sentença de morte de Tiradentes e comutar as outras em degredo perpétuo. (Para prolongar a angústia dos condenados, porém, a alçada escondeu a carta régia, e só no fim revelou o ato de clemência.) Os historiadores são unânimes em relatar que Tiradentes se comportou com notável coragem, tanto durante a devassa quanto durante a execução. Sua sentença cumpriu-se em todo o seu rigor no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792. E o conde de Resende, que substituía o vice-rei, de viagem a Lisboa, ainda transformou a execução num espetáculo de gala, convocando o povo para presenciá-la sob pena de incorrer no desagrado real.

Os degredados tiveram fins diversos. Alvarenga Peixoto morreu em Angola, em 1793, depois que sua mulher, Bárbara Heliodora, enlouqueceu. Gonzaga casou-se em Moçambique com a filha de um negociante abastado, e desfrutou de boa posição econômica e social até o fim da vida. O decreto 756-A de 21 de abril de 1933 determinou providências para trazer para o Brasil as cinzas dos que morreram no degredo.

Quanto a Tiradentes, passou um século esquecido. Nem com a independência, proclamada em 1822 (trinta anos após a sua morte, portanto) ele ganhou o lugar merecido entre os heróis da pátria. Foi preciso que se proclamasse a República para que o dia 21 de abril se tornasse feriado nacional. E só em 9 de dezembro de 1965, a lei 4.897 o proclamou "patrono cívico da nação brasileira". São homenagens mais do que merecidas, porque, além de demonstrar admirável abnegação, ele construiu uma obra política cuja importância hoje é evidente. Apesar de vencida, a Conjuração Mineira, assim como outros movimentos rebeldes do Brasil colonial, ajudou a abrir caminho para o rompimento do domínio português.

Outro exemplo ocorreria, por exemplo, em 1798, com a chamada Conjuração Baiana, ou Conspiração dos Alfaiates, que mobilizou pessoas de situação social humilde na tentativa de fundar uma república democrática na Bahia; terminou com o enforcamento de quatro líderes. Essas tentativas puseram a nu a espoliação e a cruel tirania da metrópole. E ao dar o exemplo do inconformismo e da revolta organizada, os conjurados de Minas, liderados pelo alferes Tiradentes, os da Bahia, chefiados pelo alfaiate João de Deus do Nascimento, e os de tantos outros pontos do Brasil demonstraram que existia um caminho alternativo: o da independência.

 

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