Atlântida - em busca do reino perdido

Novos estudos fixam a data da erupção vulcânica que pode ter dado origem à lenda que fascina o mundo.
Marcelo Ferroni

A lenda é conhecida tanto dos historiadores e arqueólogos como dos leitores curiosos. Conta-se que a Atlântida era uma ilha localizada "além dos Pilares de Hércules" cujos habitantes eram sábios e portadores de grandes riquezas. No entanto, esse mundo perfeito sofreu um revés. Zeus, um dos principais deuses gregos da Antiguidade, ficou enfurecido ao constatar que os habitantes da ilha se tornaram perversos e gananciosos, e fez com que ela desaparecesse em meio a terremotos e tempestades.

Depois que o filósofo grego Platão (427-347 a.C.) mencionou essa história de Atlântida, a ilha nunca mais deixou a imaginação das pessoas. Especialistas especularam sobre sua existência, e dezenas de livros e filmes procuraram explicá-la de diversas maneiras. O último filme, Atlantis, o Reino Perdido, animação produzida pela Disney, estreou recentemente no Brasil. Mas de onde Platão tirou a idéia original? Para alguns pesquisadores, não se trata de uma lenda sem fundamento. A história de Atlântida, dizem eles, pode ter se originado dos relatos sobre uma das maiores erupções vulcânicas já presenciadas na História, ocorrida há cerca de 3.650 anos. Essa hecatombe destruiu a civilização que habitava uma pequena ilha no Mediterrâneo. Agora, novos estudos procuram fixar com precisão a data desse evento, que pode ter sido a semente para a lenda do paraíso perdido.

Conforme narra Platão, a Atlântida era uma ilha gigante - maior que a Ásia Menor e a Líbia juntas (ou seja, a parte asiática da Turquia e uma parte da porção norte da África). Estava localizada além do atual Estreito de Gibraltar, conhecido então por Pilares de Hércules. Ainda segundo o filósofo, os ambiciosos habitantes da Atlântida chegaram a conquistar grandes territórios da Europa e da África, até serem derrotados pelos atenienses e seus aliados, antes da tragédia encomendada pelos deuses. A lenda foi usada por Platão em dois de seus escritos, Crítias e Timeu, para descrever uma sociedade ideal, destruída em razão de seus próprios vícios. Ou seja, era um modelo para inspirar os cidadãos atenienses de sua época. A história, contada por meio de um diálogo entre Crítias e Sócrates, filósofo grego de quem o próprio Platão havia sido discípulo, espalhou-se pelo mundo árabe e, séculos mais tarde, foi recuperada no Ocidente.

Na Idade Média, a história era considerada verdadeira, e muitas tentativas foram realizadas para identificar a ilha. Depois da Renascença, foram feitos esforços de ligar Atlântida à Escandinávia ou às ilhas Canárias. Com o tempo, as diversas hipóteses foram sendo derrubadas, e a narrativa de Platão foi considerada ficção.

Deve ser lembrado que os estoques naturais de água não são distribuídos de modo eqüitativo no globo terrestre. Assim, o uso excessivo de água tende a ser mais problemático em locais naturalmente mais secos. No entanto, mesmo em áreas onde a água é abundante, a degradação de rios, lagos e depósitos subterrâneos é uma forma potencial de redução de sua disponibilidade.

Sonhos de uma cidade perfeita

As civilizações utópicas, idealizadas por filósofos para retratar um local em que as pessoas vivem em perfeitas condições e harmonia, têm uma origem muito mais antiga do que o nome que carregam. Platão e outros pensadores aproveitaram essa idéia, porém, a palavra "utopia" só surgiu em 1516, como nome e tema do livro de Thomas More, humanista inglês condenado à morte pelo rei Henrique 8º por motivos religiosos.

Para descrever sua cidade ideal, governada somente pela razão (que acabou se tornando um dos primeiros modelos de um Estado comunista), More emprega esse termo, composto pelas palavras gregas "ou" (não) e "topos" (lugar). Ou seja, "lugar nenhum".

Desde então, diversos outros autores lidaram com conceitos utópicos, como o filósofo inglês Francis Bacon (New Atlantis, 1627) e o escritor de literatura fantástica H.G. Wells (A Modern Utopia, 1905). Em alguns casos, a busca por uma sociedade perfeita acabava tendo resultados sombrios. É o caso, por exemplo, de Admirável Mundo Novo (1932), do britânico Aldous Huxley.

O mito de Atlântida, descrito por Platão no século 4 a.C., faz alusão a uma das civilizações utópicas mais famosas no Ocidente. "O seu modelo de cidade-estado ideal era a Atlântida", comenta Maria Beatriz Florenzano, arqueóloga da USP. "Ele usou uma memória para construir sua utopia de como a sociedade deveria ser."Logo que apareceu no mundo grego, a história provocou intensos debates. Afinal, Platão inventara tudo aquilo, ou a Atlântida tinha realmente existido? Para Aristóteles, discípulo de Platão, era tudo produto da imaginação. "O homem que sonhou com essa ilha a fez desaparecer de novo", teria dito. Outros, no entanto, aceitaram a idéia. Esse foi o caso do filósofo grego Possidônio (135-51 a.C.).

Primeiras descobertas

No final do século 19, descobertas arqueológicas realizadas em uma diminuta ilha grega reacenderam o debate sobre Atlântida. No século passado, alguns pesquisadores respeitados chegaram a pesquisar o assunto. A história que eles contam, ao contrário da lenda sobre Atlântida, baseia-se em fundamentos reais. E, apesar das origens distintas, pontos marcantes dessas duas narrativas mostraram semelhanças.

A história recuperada pelos pesquisadores do século 20 se passa em uma pequena ilha situada no Mar Egeu, cerca de 120 km ao norte de Creta. Ali ocorreu uma catástrofe por volta de 1645 a.C., portanto, numa data diferente dos 9 mil anos estimados por Platão para a destruição de Atlântida. A ilha chamava-se Thera, mas hoje leva o nome de Santorini (originado na Idade Média, em homenagem a Santa Irene de Tessalônica). Santorini tem atualmente a forma de uma meia lua composta por três ilhotas - uma delas, a principal, ainda mantém o nome de Thera -, e, em seu centro, existem duas pequenas ilhas vulcânicas. Todo ano, Santorini atrai milhares de turistas do mundo inteiro.

O sucesso se deve à esplendorosa paisagem mediterrânea e, em menor escala, a escavações arqueológicas no sul de Thera.

Essas escavações, no sítio de Akrotiri, têm importância fundamental para ligar a lenda de Atlântida a Santorini. O local, descoberto por trabalhadores gregos em 1866 e investigado nas décadas seguintes por pesquisadores franceses, abrigava uma cidade portuária da Idade do Bronze (3300-1200 a.C.), com uma cultura muito parecida com a que existia nas ilhas vizinhas e, principalmente, em Creta (leia texto sobre a civilização minóica na última página desta reportagem). As escavações revelaram uma cidade em ótimo estado de conservação porque, como Pompéia (leia abaixo), havia sido coberta por material vulcânico de uma erupção violenta ocorrida na ilha. "As escavações mostram que a civilização de Santorini desapareceu repentinamente", conta a arqueóloga Maria Beatriz Florenzano, da Universidade de São Paulo.

Magma e fogo espalhados pelo mundo

O vulcanismo que destruiu a antiga ilha de Thera, no Mar Egeu, foi um dos mais fortes já registrados na História humana. "É provável que tenha sido pelo menos dez vezes mais intenso que a famosa erupção em Krakatoa, em 1883", conta o vulcanologista Haraldur Sigurdsson, da Universidade de Rhode Island, nos EUA.

Quando o vulcão de Kracatoa, ilha localizada entre Java e Sumatra, na Indonésia, entrou em erupção, seu impacto, assim como o de Thera, foi registrado em partes distantes do planeta. Conta-se que seu estrondo foi ouvido em Madagáscar, Sri Lanka e Austrália, a distâncias de até 5.000 km. Barcos foram arrastados para terra firme e os tsunâmis, ou ondas gigantes, chegaram a matar 36 mil pessoas em regiões costeiras.

Mas essas não foram as únicas catástrofes de impacto causadas por vulcões. Em 1815, entrou em erupção outro vulcão em Sumatra, chamado Tambora. Os tsunâmis também devastaram as regiões costeiras, e cerca de 90 mil pessoas morreram em conseqüência da erupção ou da grande fome que se seguiu.

Apesar de não tão intensa, uma das mais famosas erupções é creditada ao Monte Vesúvio, no ano de 79, que cobriu a cidade romana de Pompéia. Na época, ela abrigava de 10 mil a 20 mil habitantes. Ao contrário de Thera, onde as pessoas tiveram tempo de escapar antes do desastre, alguns moradores romanos foram surpreendidos. Atualmente, os vulcões continuam aparecendo no noticiário. Em julho deste ano, o Etna, na Sicília, entrou em erupção, colocando as cidades vizinhas em estado de alerta. C.).


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