Revolta dos CidadãosClick for Sao Paulo, Brazil Forecast

Artigo: GILBERTO DIMENSTEIN
31/12/2006
Fonte: Folha de S. Paulo

Jamais tivemos tanta gente convergindo para um mesmo diagnóstico sobre nossos problemas

A REVOLTA dos cidadãos que inibiu o abusivo aumento do salário dos parlamentares faz parte de um longo e tumultuado aprendizado sobre direitos e deveres -esse aprendizado, embora lento e ainda precário, é o que me leva a dizer, neste último dia do ano, que o Brasil nunca esteve tão bem.
Não está bem por causa de seus indicadores sociais (péssimos para o nosso grau de desenvolvimento econômico, apesar de todos os avanços) nem, muito menos, pelos números do crescimento da produção, sofrível sob todos os aspectos.
A indigência social e a lentidão na geração de empregos explicam em boa parte o clima de guerra civil, cujo fragmento vimos na semana passada no Rio de Janeiro. Como a nação que, por muito tempo, mais cresceu no planeta, sem sofrer com guerras, conflitos regionais ou brigas religiosas, somos um notável exemplo de fracasso.
Bastaria apreciar uma única informação para ver o tamanho do fracasso: despendemos mais de quatro meses todos os anos para sustentar o poder público, mas apenas 5% dos alunos que saem do ensino médio oficial dominam apropriadamente a língua portuguesa.
O que nunca esteve tão bem no país é a formação de consensos básicos sobre como o país deveria funcionar para crescer mais, distribuir melhor a renda e diminuir a pobreza -alguns desses consensos demoraram décadas para serem conquistados.

A maioria das pessoas já nem presta mais atenção nos índices de inflação. Demorou muito tempo para que se visse, com clareza, que o pobre era a maior vítima dos preços altos e, mais ainda, que o rigor dos gastos públicos era fundamental para controlar a inflação.
Ninguém seriamente teria a coragem de propor hoje um crescimento com preços subindo, até porque o presidente não conseguiria se sustentar.
Também já não se valoriza tanto o sistema democrático, afinal virou rotina. Foram necessários, porém, 20 anos para que ninguém, com um mínimo de importância, defendesse a idéia de que coibir as liberdades é um jeito de proteger uma nação. Quem conseguiu derrotar a praga inflacionária não foram os militares tão fortes, mas os civis, obrigados a convencer pelo diálogo.
Demorou ainda mais para se tornar visão dominante a crença de que, com todos os seus defeitos, a economia de mercado, desde que equilibrada com investimento público em educação e saúde, é mais eficiente e mais justa. O dirigismo estatal se prestou a cenas explícitas de corrupção e incompetência. Não é à toa que Lula e Delfim Neto quase falam hoje a mesma língua. O presidente aprendeu sobre os valores do capitalismo -e Delfim sobre a importância de investimentos maciços em capital humano.

Se a democracia foi eficiente para enfrentar a inflação, ainda não obteve bons resultados em termos de crescimento econômico -um desastre que, entre idas e vindas, perdura há mais de duas décadas, espalhando miséria por todos os lados.
Tanto tempo produzindo tanto desemprego levou ao aprendizado de que, na raiz do baixo crescimento, está um Estado que gasta muito e, pior, gasta mal, cobrando muito imposto e forçando altas taxas de juros.
O desmonte da máquina estatal, tornando-a estímulo, e não trava à produção e à geração de empregos, estará para o futuro como a batalha pela volta da democracia esteve no passado.
A reação à proposta de duplicação dos salários dos parlamentares e a qualquer aumento de imposto integra a percepção sobre o poder destrutivo do Estado.

A mais importante das visões que vão se tornando dominantes é a de que a democracia, o crescimento e a distribuição de renda são limitados sem educação de qualidade. Nunca, como neste ano, o assunto mereceu tanta atenção de tanta gente poderosa, a ponto de os principais empresários do país terem feito um pacto pela educação.

Com qual rapidez iremos aproveitar todo esse aprendizado é ainda dúvida. O fato é que, se Lula não souber gerar mais crescimento com distribuição de renda, sua vida será um inferno como a de qualquer outro presidente, até porque o clima de guerra civil só tende a aumentar.
Mas nunca tivemos tanta gente convergindo para um mesmo diagnóstico sobre nossos problemas e para um projeto de país -por isso, o Brasil nunca esteve tão bem.

PS - Neste momento, estou em Barcelona, um dos melhores exemplos de competência pública mundial ao sair da rota da degradação. Tornou-se uma cidade modelo, exuberante, rica, porque seus governantes e moradores decidiram trabalhar em torno de um projeto comum.

gdimen@uol.com.br

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