Atlântida - em busca do reino perdido

Resfriamento global

Esses fatos relacionam a história de Santorini ao mito de Atlântida, segundo os pesquisadores. Na época da erupção, Thera tinha um formato de anel mais acentuado, com uma ilha vulcânica em seu centro. Pode ser coincidência, mas esse formato peculiar é citado por Platão para descrever Atlântida. E a erupção ali ocorrida foi tão violenta que a ilha vulcânica, chamada por alguns de Pré-Kameni, desapareceu, tragada pelo mar.

A erupção de fato ocorreu e foi comprovada por vulcanologistas. É considerada uma das mais violentas entre as registradas pela humanidade. Sua força foi tanta que, além de tirar uma ilhota do mapa, ainda foi capaz de mandar gases e fuligem a uma altura de 36 a 38 quilômetros. A essa altitude, a coluna de fumaça alcançou a estratosfera e seus vestígios se espalharam por todo o Hemisfério Norte. "A erupção liberou uma grande quantidade de dióxido de enxofre", conta Haraldur Sigurdsson, vulcanologista da Universidade de Rhode Island, nos EUA, e especialista no fenômeno de Santorini. Na atmosfera, esse gás se combina com vapor d'água, forma um aerossol de ácido sulfúrico e reflete a radiação solar, provocando queda de temperatura na Terra. "É bem provável que a erupção em Thera tenha originado um resfriamento global durante alguns anos", conta Sigurdsson.

Destruição em fases - A erupção em três etapas que alterou as formas de Santorini
1 - Abre-se uma cratera em Pré-Kameni, liberando fogo e fuligem.   2 - A água do mar invade a cratera; intensidade da erupção aumenta.   3 - A ilhota desaparece, dando lugar a um vale submerso.

 

A erupção provavelmente levantou violentos tsunâmis, ou ondas gigantes, varrendo algumas áreas costeiras de outras ilhas. Entretanto, esse ponto não foi comprovado pelas escavações arqueológicas. A datação do vulcanismo também era polêmica. Mas agora isso mudou.

Novos estudos reforçam a hipótese de que a erupção ocorreu há cerca de 3.650 anos. "Agora a data é precisa", confirma Walter Friedrich, vulcanologista da Universidade de Aarhus, na Dinamarca. No final do ano, seus colaboradores devem publicar um estudo mostrando que a erupção ocorreu em 1645 a.C., com uma margem de erro de apenas sete anos. Essa precisão só pôde ser obtida com a datação de resquícios de fuligem aprisionados no gelo da Groenlândia. "Apesar de alguns pesquisadores discordarem da data, as evidências são muito fortes", comenta Sturt Manning, arqueólogo da Universidade de Reading, no Reino Unido.

Na terra habitada pelo Minotauro

Os habitantes da ilha condenada de Thera tinham uma cultura muito semelhante à dos povos que ocupavam as demais ilhas do Mar Egeu, entre 1700 e 1200 a.C. É a chamada civilização minóica, descoberta na ilha de Creta pelo arqueólogo inglês sir Arthur Evans no final do século 19.

As escavações em Creta mostraram que a civilização alcançou seu apogeu entre 1600 e 1450 a.C., centrada em palácios enormes, entre os quais estava Cnossos, localizado na região central ao norte da ilha. Os palácios tinham uma estrutura labiríntica. É daí, provavelmente, que surgiu a lenda do Minotauro, metade homem, metade touro, que, conta-se, vivia em um labirinto em Creta. "Era uma cultura fundamentada no comércio internacional, com uma produção agrícola centralizada", conta Maria Beatriz Florenzano, da USP. "Ela floresceu em todas essas ilhas e era muito adiantada: faziam comércio com a Mesopotâmia, o Egito, tinham afrescos belíssimos, enterros luxuosos e lidavam com ouro e prata."

Akrotiri parece ter uma ligação direta com essa cultura. "Eles tinham construções e práticas religiosas parecidas", conta o arqueólogo inglês Sturt Manning. No período em que ela floresceu, ainda não havia a civilização grega; as regiões continentais eram povoadas pela chamada cultura micênica. Apesar de não serem tão organizados quanto os minóicos, os micênicos tinham seus próprios rituais e cidades. Os gregos só floresceram por volta do século 8 a.C., após o declínio e a destruição dos minóicos - por causas ainda em discussão- , por volta de 1450 a.C., seguido de um período de grande empobrecimento na região.

 

Primeiras descobertas

Mulheres de Akrotiri Afresco retrata habitante de Thera

Friedrich, que no fim do ano pretende publicar artigos científicos sobre Santorini, lançou no ano passado o livro Fire in the Sea, em que discute a erupção de 1645 a.C. Na obra, o cientista divulga seus estudos que procuraram determinar o formato da ilha de Thera antes da erupção. Nela, vê-se com clareza o formato de anel do principal pedaço de terra.

A erupção foi tão violenta que não só a ilha central sumiu, como o antigo anel foi quebrado em três partes. Mas parece que houve tempo para que os moradores de Akrotiri fugissem, antes que a lava invadisse tudo e a violência da erupção provocasse a catástrofe. Não é possível saber se a ilhota vulcânica que desapareceu era habitada. Depois dos três estágios da erupção, o que antes era terra tornou-se um vale submarino que, nas partes mais profundas, chega a 400 metros. Algumas expedições foram feitas sem encontrar nenhum indício de civilização. A mais famosa ocorreu em 1965 por uma equipe greco-americana. Infelizmente, sérios desentendimentos diplomáticos prejudicaram a exploração, e muito do que estava programado acabou não se realizando. A expedição de 1965 ocorreu no auge das especulações sobre Atlântida, iniciadas depois das primeiras escavações sistemáticas em Akrotiri. Em 1972, enquanto o debate sobre Atlântida continuava, o grego Spyridon Marinatos, principal responsável pelas pesquisas em Akrotiri na época, descreveu suas impressões em um artigo científico, mencionando que "a erupção de Thera pode ter sido a idéia propulsora da literatura sobre a Atlântida".

Marinatos foi mais longe. Segundo ele, a ilhota vulcânica de Pré-Kameni poderia ser formada por anéis concêntricos de terra, cercados por água. Esse relevo, descrito por Platão, poderia ter sido moldado por repetidos desabamentos de terra na formação de uma cratera vulcânica. A hipótese, no entanto, não pôde ser comprovada.

Cada um com sua mania

De tempos em tempos aparece uma hipótese - às vezes maluca, às vezes plausível - que procura explicar a origem de Atlântida. Em 1992, por exemplo, o arqueólogo Eberhard Zangger publicou um livro em que afirmava que a lenda de Atlântida conta a história da Guerra de Tróia sob o ponto de vista dos egípcios. Ao reaparecer entre os gregos, a lenda teria perdido algumas de suas características.

Em outra idéia, proposta pelo historiador Peter James, a lenda se refere a um suposto reino da Idade do Bronze, localizado na Anatólia (península que corresponde à parte asiática da Turquia). Seu nome, diz James, não era Atlântida, mas Tantalis (anagram a para Atlantis).

Há também as hipóteses mais ousadas. Na década de 50, o geólogo Charles Hapgood propôs que, há cerca de 12 mil anos, a crosta terrestre se deslocara bruscamente, mudando as posições dos continentes. Daí surgiu a idéia de que a Antártida, na verdade, poderia ser o continente perdido de Atlântida que, há milhares de anos, estava localizado na região dos trópicos e podia abrigar cidades.

Memória da erupção

Hoje, apesar de ainda contar com o descrédito da comunidade científica, a idéia de que Atlântida existiu continua válida. "A erupção em Santorini foi tão forte que deve ter ficado na memória desse povo", comenta a arqueóloga Florenzano. "Platão pode ter usado essa memória ao construir sua lenda de Atlântida." Para Peter Warren, do departamento de arqueologia da Universidade de Bristol, no Reino Unido, a lenda de Platão apresenta algumas características da civilização minóica, que habitou Creta. "Mas sua narrativa não é uma descrição geográfica ou histórica dessa cultura", diz. Para Warren, os artefatos encontrados no sítio arqueológico não batem com a datação de 1645 a.C. O arqueólogo defende que a erupção deve ter ocorrido entre 1520 e 1500 a.C.

É certo que alguns dados não encaixam no modelo. Em vez dos 9 mil anos, os pesquisadores estimam cerca de 1.300 (para a época de Platão). Ao contrário de uma enorme ilha, Atlântida poderia ser diminuta. E, em vez de ficar no Atlântico, ela poderia estar bem próxima dos gregos. Estudiosos tentam explicar essas diferenças - alguns dizem, por exemplo, que a ilha não seria do tamanho da Ásia Menor e da Líbia, mas estaria "entre" esses pedaços de terra; outros, que houve erro de cálculo na data. Novamente, é preciso ressaltar que Platão pode apenas ter se aproveitado de uma memória distante, e não de uma história pronta. "A erupção em Thera pode ter sido a semente para a lenda", comenta Sigurdsson.

É muito provável que a verdade nunca apareça. Mas as pistas encontradas em Santorini são suficientes para fazer com que muitos continuem a sonhar com o paraíso da Atlântida.

Anote

Para navegar

Escavações em Akrotiri

A Idade do Bronze

Para ler

Fire in the Sea, Walter Friedrich. Cambridge University Press. 2000.

Ilustrações Ronaldo L. Teixeira
Fonte: Editora Globo S.A


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