Erosão solar: risco para a agricultura nos trópicos

Para ampliar e manter sua produção agrícola, países como o Brasil precisam levar em conta esse fenômeno: a erosão solar.

Cícero Bley Jr.

Para produzir mais alimentos, uma necessidade da humanidade, é preciso ocupar novas fronteiras agrícolas e mantê-las produtivas. Nesse contexto, um dos maiores desafios é ampliar a produção em regiões tropicais, onde ainda há terras agricultáveis inexploradas, pois à medida que novas frentes são abertas, em geral com grandes impactos ambientais, a produtividade é comprometida por processos de perda da fertilidade natural e em seguida de desertificação. Um dos fatores que contribuem para isso não tem recebido atenção condizente com seu potencial de destruição: a ação do sol. A ciência do solo clássica reduz a importância da radiação solar e subestima seus efeitos diretos no solo e, em especial, na redução dos estoques de matéria orgânica essenciais à atividade microbiana, a vida do solo. Para ampliar e manter sua produção agrícola, países como o Brasil precisam levar em conta esse fenômeno — a erosão solar.

As estatísticas sobre perdas físicas de solo em todo o mundo revelam que, a cada ano, bilhões de toneladas de terra fértil são erodidas e transportadas para os rios. Segundo o Programa de Qualidade Ambiental da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Brasil as perdas já atingem 840 milhões de toneladas anuais (t/ano) e estão aumentando, com a abertura de novas frentes agropecuárias no Centro-Oeste e na Amazônia.

No Rio Grande do Sul, tais perdas podem alcançar 20,1 toneladas por hectare (t/ha) nas culturas de soja, segundo o mesmo Programa. O total estadual é de 250 milhões de toneladas por ano. O ex-ministro e ex-secretário de Agricultura, Antônio Cabrera, estima que o estado de São Paulo perde 10kg de solo fértil por quilograma de grão produzido — ou duzentos milhões de toneladas por ano.

Para repor a fertilidade são usados em todo o país até 1,27kg de fertilizantes químicos por hectare, a um custo de mais de dois bilhões de dólares por ano. Estudos revelam que no Paraná, entre 1970 e 1986, o consumo de NPK — adubos industriais à base de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) — passou de cem mil para seiscentos mil toneladas por ano. A Embrapa estima, porém, que cerca de metade do fertilizante usado no conjunto de todas as culturas não atinge o alvo, ou seja, não é assimilada pelas plantas.

O drama não é só brasileiro: é mundial e particularmente grave nas regiões tropicais. Na Índia, por exemplo, segundo o Instituto de Pesquisas em Energia, a erosão já afeta 57% das terras, comprometendo onze das principais culturas do país — em algumas, a queda na produção chega a 25%. A área erodida dobrou em dezoito anos. A cada ano o país perde mais 1% de solo fértil e, junto, mais de vinte milhões de toneladas de NPK. No total, a perda causada pela erosão representa 1% a 2% do produto interno bruto (PIB) anual indiano.

No Haiti, metade das terras agricultáveis já se perdeu, gerando 1,3 milhão de "refugiados ambientais" (no México, são novecentos mil por ano). No mundo, estima-se a perda de 1% das terras férteis a cada ano. Além disso, cerca de 25% das terras do planeta estão em processo de desertificação ou definitivamente perdidas. Esse fênomeno atinge 70% das terras áridas (3,6 bilhões de hectares), afetando um sexto da população mundial, segundo estudos internacionais sobre o problema.

Tal ameaça paira sobre 980,7 mil km2 do Nordeste brasileiro (11,5% da área do país), segundo o Plano Nacional de Combate à Desertificação, do Ministério do Meio Ambiente. Em 181 mil km2 dessa área, ações humanas, aliadas a fatores naturais, geram impactos difusos e perdas econômicas de oitocentos milhões de dólares por ano. As áreas mais comprometidas estão em Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Seridó (RN) e Cabrobó (PE).

Há mais de uma década as secretarias estaduais de agricultura da região Sul apontam que cerca de um milhão de hectares em Alegrete (RS), outro tanto em Paranavaí (PR) e mais um milhão em Pontal do Paranapanema (SP) estão virando deserto. A presença e o avanço do processo são visíveis no meio-norte de Mato Grosso, norte de Mato Grosso do Sul e sudoeste de Goiás. Há áreas críticas também em Tocantins e Minas Gerais.

Grande parte do processo deve-se ao desmatamento de áreas suscetíveis, ao emprego de métodos inadequados de mecanização intensiva (como aração e uso de grade pesada, destruindo o solo) e à exposição intensa à erosão hídrica, à erosão eólica e aos raios solares, entre outros fatores. Freqüente nas novas frentes de ocupação, como Rondônia, a agricultura nômade (em que as terras são abandonadas ao primeiro sinal de redução da fertilidade primitiva, alimentada por milhões de anos de acumulação de elementos) agrava ainda mais o problema.

Técnicas eficientes de redução da erosão, como o plantio direto na palha, uma revolução no relacionamento com o solo, motivam cada vez mais agricultores, mas ainda são relativamente pouco usadas. Em alguns estados do Sul o método já é observado em um terço das culturas, mas no país o percentual não passa de 10%, segundo dados da Embrapa. Estamos ainda longe de um sistema como o dos Estados Unidos, que paga aos proprietários para que dêem um período de descanso às terras. Entre 1982 e 1992, o sistema reduziu em 18% as áreas mais comprometidas pela erosão, segundo dados oficiais. 

Vida no solo: intensa e diversificada

Nos tempos da chamada "ciranda financeira", era possível esconder grande parte da ineficiência no uso da terra. Perdas operacionais eram compensadas por ganhos financeiros. Hoje, a economia estável desnuda os sistemas produtivos e exige ajustes que minimizem os riscos e viabilizem a atividade. Nesse contexto, a questão do solo é decisiva para a economia agrícola. Mesmo usando técnicas que reduzem as perdas, a capacidade produtiva dos solos continua a ser afetada.

Parece difícil entender que os solos não são meros suportes físicos para as plantas. Em geral, damos pouca atenção à atividade biológica que se desenvolve ali, fundamental para a estabilidade dos agregados (torrões) e para a regulação da dinâmica das águas no solo, fatores importantes na resistência à erosão. A vida do solo é responsável direta pela disponibilidade de nutrientes para as plantas e por outros processos.

Há vida intensa e diversificada nos solos. A disponibilidade e qualidade dos alimentos são condições básicas para sua manutenção. Todos os seres do solo têm como base de nutrição o carbono presente na matéria orgânica que nele se acumula (resíduos vegetais e animais). A natureza recicla esses resíduos para tornar disponível o carbono necessário aos organismos do solo. O produto final dessa reciclagem é o húmus, ou matéria orgânica estabilizada e enriquecida, base da fertilidade natural do solo. Para cada estágio de decomposição dos compostos orgânicos há um grupo especializado e predominante de microorganismos.

O resultado da nutrição desses seres é a liberação de gás carbônico (CO2) e substâncias húmicas, entre elas as formas orgânicas de elementos necessários às plantas, como N, P, K, enxofre (S) e outros micronutrientes. Sem a atividade microbiana, os nutrientes lançados ao solo na forma de fertilizantes não são assimilados pelas plantas, permanecendo estáticos e perdendo-se nos movimentos das águas dos solos.

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