Processo de Globalização Contemporâneo

ORIGENS E NATUREZA DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEO

Prof. Hindenburgo F.Pires

Gênese do processo de Globalização

Introdução

Este texto propõe-se a descrever as diferentes iniciativas de explicação da natureza do processo globalização, recuperando através de estudos teóricos algumas visões e discussões, não concensuais, sobre a periodização e a caracterização da origem deste fenômeno.

Mesmo com a imprecisão dos processos de periodização e a não unanimidade na caracterização da natureza da globalização, ela é um fato inquestionável que a afeta de forma cada vez mais intensa o espaço mundial e as estruturas da sociedade.

A Natureza do Processo de Globalização

Alguns autores que tratam recentemente da origem do fenômeno da globalização acreditam que este é um processo histórico único de mais de 4 séculos. O conceito de globalização parece adquirir para este autores uma dimensão abstrata cujo alcance pode ser constatado desde as grandes navegações. Para ilustrar cumpre revelar alguns representantes dessa perspectiva evolucionista e historicista:
a) Magnoli (1997, p.07 - Figura 1), segundo este autor a:

"Globalização é o processo pelo qual o espaço mundial adquiriu unidade. O ponto de partida desse movimento remonta às Grandes Navegações européias dos séculos XV e XVI, que conferiram unidade à aventura histórica dos povos e configuraram, na consciência dos homens, pela primeira vez, a imagem geográfica do planeta."

b) Alcoforado (1997, p.74 - Figura 2), que declara:


"O processo de globalização que se registra na atualidade é uma consequência natural do desenvolvimento do capitalismo que nasceu nas entranhas do feudalismo nas cidades medievais e se expandiu, progressivamente, constituindo mercados e Estado nacionais a partir do século XV. O estágio de globalização do capital se iniciou também nessa época com as correntes de comércio que vários países europeus mantinham com o Oriente e a partir da descoberta da América por Cristóvão Colombo".

c) Strazzacappa e Montanari (1998, p. 18 - Figura 3), afirmam:


"Na verdade, a globalização se iniciou a partir do instante em que alguns homens primitivos de uma aldeia qualquer tiveram a iniciativa de entrar em contato com a aldeia vizinha ... Com base nesse raciocínio, podemos estabelecer o início da globalização onde quisermos. Para todos os efeitos, assumiremos o início da aceleração da globalização no período das Grandes Navegações".

Será que podemos comparar a velocidade da realização das relações de trocas comerciais, econômicas e culturais de hoje com as de quatro séculos atrás? Será que poderemos comparar períodos constituídos por inúmeras civilizações, no quais o processo de ocidentalização e o conhecimento do outro ainda estava se iniciando, com o atual período de globalização?

Para averiguar a importância dessa inferência analítica deve o leitor retirar as suas próprias conclusões sobre a possibilidade de constituição dos processos da Globalização em um período mais recente, dos anos 80 até os dias atuais. Segundo Boxberger e Klimenta (1999, p.17 - Figura 4):

"O comércio mundial duplicou entre 1984 e 1996, os negócios transnacionais cresceram três vezes mais de 1950 e 1993 doque a produção de mercadorias. No mesmo intervalo de tempo, a parte da produção mundial negociada cresceu de 7 a 17%....Mas a situação nos mercados de capitais mudou de forma bem mais dramática: as transferências internacionais de capitais aumentaram dez vezes nos últimos dez anos. No mercado de divisas são transferidos diariamente cerca de 1.500 bilhões de marcos - em dois dias tanto quanto o produto social alemão, e isso "...corresponde a cerca de 70 vezes a exportação diária mundial de mercadoria e prestação de serviços". A negociação do capital e a negociação de mercadorias desligaram-se um do outro".

Com a globalização a forma capital, que se realizava através da produção de mercadorias, metamorfoseou-se e não mais se apoia nesta. Ela não está mais presa a relação de trabalho vivo para se realizar ao contrário a nega. A forma capital atual simula, através da violência da moeda, a sua própria realização de forma fictícia ou derivativa e não mais produtiva.

Será que teremos descritivamente de buscar uma relação "evolutiva" ou "histórica" da forma capital global (informacional) com as formas predecessoras: comercial (usurária), mercantil (feudal), industrial (concorrêncial) e financeira(monopolista), para podermos entender e explicar o processo de globalização?

A característica básica da globalização atual é a velocidade de realização de suas relações de produção e circulação.

Globalização não é e nem pode ser entendida como sinônimo de internacionalização. Milton Santos (1993, p.11 e 19 - Figura 5) assinala:

"Fim de século e início do outro. A contabilidade do tempo é freqüentemente pertubada pelo fato de que o progresso não espera para se instalar segundo as etapas do calendário. A humanidade sempre se habituou a uma forma de pensamento geométrico e a história por isso nos lega uma visão do transcurso como se cada cem anos marcasse momentos claramente estabelecidos e claramente diversos dos cem anos precedentes.

A verdade é que pelo menos na época moderna nunca foi assim. Os grandes eventos que mudaram a face da terra e os períodos marcados com grandes mudanças não tem coincidido. A passagem do século XIX ao século XX deu posteriormente margem à discussão para estabelecer quando realmente termina o século XIX e começa o século XX. Terá o século XX começado com a segunda Revolução Industrial ou apenas entre as duas Grandes Guerras? Toda periodização é arbitrária, mas ainda quando vemos o equívoco de escandir o tempo histórico em números redondos. Ainda agora, após a Segunda Guerra, em que estamos vivendo este período técnico-científico, já se permite várias vezes dizer que o século XXI já chegou.

As realidades são outras e os sistemas de relações que elas presidem são nitidamente novos. O próprio processo de internaconalização agora tem direito a outro nome. Trata-se de fato de uma globalização que deixa de ser um simples palavra para se tornar um paradigma do conhecimento sistemático da economia, da política, da ciência, da cultura, da informação e do espaço....
Hoje; o que é federativo ao nível mundial não é uma vontade de liberdade, mas de dominação, não é o desejo de cooperação mas de competição, tudo isso exigindo um rígido esquema de organização que atravessa todos os rincões da vida humana. Com tais desígnios, o que globaliza falsifica, corrompe, desequilibra, destrói."

Segundo Aglietta (1998, p.67 - Figura 6) a globalização deve ser entendida como um conjunto de processos diferenciados e interrelacionados, nos quais os ritmos distintos das formas hierárquicas e individualizadas dos espaços não são imbricados por intencionalidades. Para ele:

" A globalização é uma multiplicidade distinta e interconectada de processos. Ocorrendo em diferentes velocidades, em diferentes sequências e em diferentes lugares com níveis variados de intensidade, estes processos estão longe de serem coerentes. Eles se enraizaram em importantes áreas de modificação da divisão internacional de trabalho. Mas pela interação com modelos existentes de regulação eles criam vários tipos de desordem nos campos, econômicos financeiro e monetário".
A extraordinária fluidez dos investimentos diretos, a aceleração das trocas financeiras, tem posto em risco a integridade dos povos e a liberdade das nações, tornando mais díficil a possibilidade de distribuição da riqueza material produzida pela sociedade e a formação de um novo espírito ético de cooperação, que venha a se contrapor a competição destrutiva e impiedosa dos tempos atuais. A globalização tende a ser nesse sentido a expressão contemporânea sem precedentes da capacidade destrutiva do capital.

Para uma familiarização inicial com o termo Globalização recomendamos ao usuário-alunauta que proceda a leitura prévia complementar dos textos básicos a seguir:

I. No seu "Dicionário da Globalização" Pierre Size acredita que:

" A globalização é um termo utilizado há vários anos pelos economistas da moda para descrever um processo apresentado como recente, mas de fato, existente desde o início do século, e que foi descrito por Lenin, em " Imperialismo, Estágio Supremo do Capitalismo (Figura 8)": crescimento e primazia das exportações de capital, desenvolvimento da divisão internacional do trabalho, dos trustes multinacionais, interconexão das economias dos diferentes países, etc. Este nome surge pelo fato de que este processo tomou uma amplitude particular desde os anos 80, em que a desregulamentação generalizada acelera as condições da concorrência no plano mundial e o desenvolvimento dos meios de transporte e telecomunicações suprimiram um a um os obstáculos à deslocalização de centros de produção. Ao mesmo tempo, as crises financeiras , que no passado levavam meses ou anos para se propagar, agora tocam todas as praças financeiras em alguns instantes." (p.55-6.)

II. Para Gilberto Giovannetti e Madalena Lacerda no " Melhoramentos Dicionário de Geografia":

A globalização é um: "Processo acentuado nas últimas décadas do século pela aceleração e padronização dos meios técnicos, a instantaneidade da informação e da comunicação e a mundialização da economia, e que promove a reorganização e reestruturação dos espaços nacionais e regionais, em escala mundial, a partir do controle e regulamentação dos centros hegemônicos. Para Milton Santos, essa globalização cria, como nunca ocorreu no passado, um meio técnico científico e informacional em contraposição ao meio natural; promove a transformação dos territórios nacionais em espaços nacionais da economia internacional; intensifica a especialização e a divisão social e territorial do trabalho; concentra e aumenta a produção em unidades menores, entre outros aspectos. O enfraquecimento dos Estado nacionais e o acirramento da tensão entre o local e o global, com o avanço da globalização, também é apontado pelo autor citado." (p.93-4.)

III. André Luís Forti Scherer no seu artigo "GLOBALIZAÇÃO", publicado em "Trabalho e Tecnologia: Dicionário crítico" organizado por Antonio David Cattani, revela a partir de uma ampla pesquisa bibliográfica três grandes formulações teóricas sobre a origem, o significado e a representação que o termo globalização adquiriu na atualidade:

"1. O termo globalização tem sido utilizado em alusão a uma multiplicidade de fenômenos que, sobretudo a partir da década de 70 estariam configurando uma redefinição nas relações internacionais em diferentes áreas da vida social, como a economia, as finanças, a tecnologia, as comunicações, a cultura, a religião, etc. Para Ianni (1996, p.192), raras são as abordagens que buscam uma compreensão geral e integrativa dos diferentes aspectos da globalização, a qual requer o desenvolvimento de um arcabouço teórico e conceitual que ainda se encontra em construção. Fiori (1995,p.220) também ressalta a importância de um conceito de globalização, cuja elaboração ainda não está concluída, que apreenda suas múltiplas interfaces e relações a partir dos anos 80.

Na esfera cultural, Featherstone (1994, p.12) salienta que a uniformização e a difusão internacional de hábitos, convenções e informação são crescentes, sendo exemplos o desenvolvimento de competições esportivas e a generalização de conceitos padronizados de cidadania em nível mundial. Esses seriam as bases para a existência e o aprofundamento de uma cultura global. Decorre, desse processo, desordenada homogeneidade cultural, provocada pelo entrelaçamento de hábitos e informações difundidos globalmente, com bolsões culturais anteriormente isolados e homogêneos, ao mesmo tempo em que se consolidam culturas transnacionais ou terceira culturas. Para Robertson (1994, p.26), culturalmente, o mundo é muito mais uno atualmente do que a a 50 anos, embora não se possa falar em aldeia global, uma vez que essa união não se confunde com uma integração simples das partes.

Na esfera econômica, a globalização, segundo Oman (1992, p.162), pode ser entendida como o movimento acelerado de bens econômicos através das barreiras nacionais e regionais. É vista, por esse autor, como um processo centrífugo e mcroeconômico, sendo impulsionado por ações de agentes econômicos individuais e facilitada ou estimulada pela atuação dos governos. Em outra acepção, Bolívar Lamounier remete o termo globalização à "reorganização das estruturas produtivas e ao aumento dos fluxos comerciais e crescente mundial, no presente contexto de aceleração do desevolvimento tecnológico" (Lamounier, 1996, p.92).

Para Baumann (1996, p.37), a globalização econômica produz efeitos que abrangem as relações produtivas, financeiras e comerciais, com os conceitos formulados, apreendendo, ainda, apenas parcialmente a realidade, dadas as características sem precedentes e a magnitude do fenômeno.

2. Conforme Chesnais (1996, p.23) (Figura 11), o qualificativo global emergiu no princípio dos anos 80, nas grandes escolas de Administração de Empresas de universidades norte-americanas (Harvard, Columbia, Stanford, etc.), sendo, posteriormente, popularizada em escala mundial por via de uma imprensa econômica e financeira anglo-saxã. Para as escolas de Administração norte-americanas o termo enviaria como mensagem, aos grandes grupos multinacionais, a necessidade de se aproveitarem da oportunidade aberta pela liberalização e desregulação das economias amplificada pela disponibilidade de ferramentas de controle de suas atividades e distâncias crescentes proporcionadas pela telemática e pelos satélites de telecomunicações, no sentido de expandirem suas atividades naqueles espaços que possibilitassem os maiores lucros. Por tanto, seria necessária a reformulação de suas estratégias internacionais a partir de uma reorganização produtiva e comercial que permitisse essa expansão. O mundo globalizado que daí adviria era imaginado como "sem fronteiras" (borderless, conforme Ohmae, 1990), e as empresas, vistas como "sem nacionalidades" (stateless, de acordo com a expressão popularizada pela revista norte-americana Business Week também em 1990).

O caráter centrífugo da expansão dos capitais é um fenômeno que pode ser observado desde a gênese do capitalismo, não sendo específico da era "global". O próprio descobrimento e a conquista da América Espanhola são citados por Oman como exemplos de movimentos no mesmo sentido da globalização. Sobretudo a partir do século 16, facilidades de transporte levaram à integração crescente entre as economias nacionais e o resto do mundo e à elevação do fluxo internacional de produtos e fatores. Após a Segunda Guerra Mundial, "... o poder e a liderança política dos Estados Unidos moldaram e deram ímpeto à renovação à globalização, através do apoio ao estabelecimento de instituições internacionais como o sistema de Breton Woods de taxas internacionais de câmbio fixas mas ajustáveis, o Gatt, o FMI, o Banco Mundial e seus associados, sistema das Nações Unidas, e a OCDE" (Omam, 1992, p.167).

Ao mesmo tempo, surge, pela primeira vez, a noção de uma economia mundial, com a afirmação do dólar como principal moeda internacional, concomitantemente à livre conversibilidade da maior parte das moedas européias e às sucessivas quedas de barreiras comerciais, promovidas a partir de diversas rodadas de negociações multilaterias no âmbito do Gatt.

Conforme Baumann (1996, p.36), esse é o contexto que permite a emergência da globalização enquanto fenômeno econômico recente , levando a internacionalização dos mercados financeiros, ao crescimento do comércio entre as nações e à expansão da atuação das empresas transnacionais.

Ao final dos anos 70, a globalização assume um caráter marcadamente microeconômico, sendo reultado das estratégias e comportamento das empresas ao invés de um processo impulsionado, prioritariamente, por políticas governamentais. Para Oman (1994, p.8), a estratégia das empresas, com a difusão e amadurecimento do sistema de organização interempresarial conhecido como produção flexível ou enxuta, torna-se a força motriz da globalização produtiva, auxiliada pela desregulamentação implementada pelos governos, pelo advento e difusão de novas tecnologias de informação e pela globalização dos mercados financeiros. Essa tese é reforçada por Baumann (1996, p.43), que caracteriza a etapa recente da globalização a partir do aumento da importância relativa dos agentes econômicos individuais e de suas decisões, principalmente quanto ao investimento.

Os países são atingidos por essa mudança na medida em que, de agentes e reguladores do processo de internacionalização da economia, passam à condição de provedores dos grandes grupos internacionais, os quais, cada vez mais exigentes em termos de infra-estrutura e qualidade do estoque de recursos humanos, restrigem, ademais, as possibilidades de uma maior liberdade das nações quanto à gestão macroeconômica.

Chesnais (1994, p.36) mostra que o processo de globalização atual é determinado a partir dos movimentos do chamado oligopólio mundial, concebido menos como "forma de mercado" ou "estrutura de oferta" e mais como um "espaço de rivalidade" industrial. Nele são tomadas as decisões sobre a expansão mundial dos grandes grupos, contemplando, seus investimentos intratriádicos - nos Estados Unidos, Alemanha e Japão (conforme conceito de Ohmae, 1985) - e, também, as aquisições e fusões por eles efetuadas, reforçando a concentração no mercado internacional. Esse conceito ressalta a crescente importância do relacionamento entre as empresas multinacionais e da forma como se dá tal relacionamento, competitivo e cooperativo ao mesmo tempo, fator principal de dinamismo e de sentido da globalização econômica. No início dos anos 80, estimava-se que cerca de 350 empresas baseadas nos países membros da Organização para a Cooperação e o desenvolvimento Econômico (OCDE) - aquelas que, para Chesnais, possuem reais condições de enfrentar uma concorrência global - representavam um terço do produto mundial, seu comércio intrafirma, 40% do comércio total, seu comércio extrafirma, outros 30% e seu investimento constituía a parte mais importante dos fluxos de investimentos direto em nível mundial (Baumann, 1996, p.42).

3. As consequências do processo de globalização, seu caráter parcial e, até mesmo, a "marca" ideológica imbutida no termo, têm levado a percepção daquilo que Baumann denominou de paradoxos da globalização. O conceito de globalização tem estado associado, de forma muito estreita, ao movimento de redução dos entraves políticos à movimentação de mercadorias e serviços entre fronteiras (inclusive fatores de produção)" conforme Oman (1994, p.8).

Entretanto, a relação entre globalização, queda das barreiras comerciais e expansão dos investimentos dos grandes grupos multinacionais presta-se, de forma mais precisa à descrição do movimento ocorrido nas décadas de 50 e 60, sem se ressaltar a especificidade do processo de globalização atualmente em curso. A década de 80 caracterizou-se pela proliferação de barreiras não-tarifárias na região da OCDE e pela redução tanto do ritmo de crescimento do comércio internacional quanto dos investimentos diretos no exterior das empresas transnacionais, contrariamente ao que se poderia supor. Elementos importantes na caracterização do processo atual de globalização são a desregulamentação dos mercados financeiros, de comunicações e de transportes. A desregulamentação dos mercados financeiros trouxe o enorme aumento da quantidade de dinheiro em circulação nesses mercados, e o advento da securitização impulsionou, fortemente, a aquisição e fusão de empresas a partir do final da década de 70. Associada ao papel central dos agentes individuais, a desregulamentação dos mercados leva a um corolário crucial da globalização nas décadas de 80 e 90, com a redução significativa de capacidade dos governos da região do OCDE de exercerem a soberania sobre a política econômica nacional, o que os conduziu, na maior parte dos casos, a coordenarem suas políticas, conforme Oman (1993, p.159-60).

Nesse contexto, um dos paradoxos apontados por Baumann (1996, p.46) é a necessidade de políticas nacionais que adaptem os sistemas produtivos locais a um grau maior de interdependência com outras economias, uma vez que a operacionalidade dessas políticas é dificultada pelo fato de que as próprias pressões externas tornam menos trivial a identificação de objetivos puramente nacionais, levando, por exemplo a demandas externas pela abertura comercial e a pressões internas por políticas setorialmente orientadas.

Outro aspecto controverso do processo de globalização diz respeito à sua relação com o movimento de regionalização concomitantemente em curso. Esses movimentos tendem a ser caracterizados como incompatíveis uma vez que a regionalização possui um sentido centrípedo, sendo frequentemente, impulsionada - embora não somente - por decisões políticas e não pelas estratégias das empresas. Além disso, "... as facilidades em comunicações e transportes levam à homogeneização dos mercados enquanto a preservação dos valores nacionais induz à fragmentação desses mercados" (Baumann, 1996, p.47). No entanto, os dois processos não são necessariamente antagônicos, podendo narealidade, reforçarem-se.

Nesse sentido, cabe ressaltar a posição de Ianni (1996, p.192), para quem "... o local e o global determinam-se reciprocamente, umas vezes de modo congruente e consequente, outras de modo desigual e desencontrado".
Um terceiro elemento diz respeito ao fato de que a globalização tende a homogeneizar os padrões de demanda (através das facilidades de comunicação, uniformização de preferências, etc.), ao mesmo tempo em que, sob os aspectos tecnológico, organizacional e mercadológico, leva a fragmentação produtiva e à diferenciação dos produtos (Baumann, 1996, p.48).

Por último, Chesnais (1996, p.24) destaca a ambiguidade e a carga ideológica "conscientemente" contida na palavra globalização. Enquanto o termo "global" traz a idéia de uma marcha inexorável do mundo no sentido da dissolução das diferenças, apenas cabendo aos agentes e países adaptarem-se à nova realidade, Fiori (1995, p.223-4) destaca o fato de a globalização estar provocando um processo de polarização crecente entre regiões, países e grupos socias, com a aceleração das desigualdades inter e intranacionais, tornando distante a promessa do "mundo sem fronteiras". Chesnais postula que o processo em curso é melhor designado pelo termo mundialização, o qual tende a marcar a necessidade da construção de instituições mundiais que possam regulá-lo.

Diferentes interpretações do processo Globalização

A ausência de um concenso sobre a origem da globalização, as dificuldades de formulação de um conceito elaborado, produto do conhecimento sistemática do fenômeno, conduzem a interpretações e discursos que se embatem, enquanto concepções sociais de mundo, na tentativa de buscar formas claras e científicas de investigação e explicação do fenômeno.

A grande maioria dessas iniciativas e interpretações visam ideologicamente ou filosoficamente oferecer um conjunto de alternativas para enfrentar ou se adaptar à globalização e aos desígnios da competitividade. Para nós professores de ensino médio e superior mais importante que buscar estas alternativas de convivência com o fenômeno é a sua compreensão analítica e o seu entendimento crítico.

Interpretações ou Correntes Teóricas da Globalização

Após um longo e exaustivo levantamento bibliográfico, com o objetivo de identificar as principais correntes teóricas que estudam o processo de globalização, foram constatadas 3 importantes correntes de estudo entre várias outras, que cumpre serem destacadas:

1ª - A Globalização como estratégias das empresas globais: sedimentada pelo professor da Harvard Business School, Michael E. Porter (Figura 13).

Segundo Porter são as empresas globais e não as nações que definem as estratégias globais nas quais as atividades são localizadas em muitos países.

Pode-se afirmar, baseando-se na assertiva acima, que as empresas globais são os novos sujeitos do processo de localização das atividades econômicas das nações. Para Porter estas empresas buscam componentes e materiais por todo mundo e localizam suas atividades aproveitando-se dos fatores de baixo custo, formando alianças com empresas em outros países para ter acesso à essas vantagens. O investimento direto estrangeiro e o capital fluem internacionalmente para as nações que dispõem de bom crédito e vantagens específicas de fatores.

Segundo ainda Porter, a globalização das indústrias e a internacionalização de empresas proporcionam um paradoxo. As nações estão perdendo sua importância na definição do desempenho estratégico de suas empresas. Para conseguir obter estas condições vantajosas de fatores, estas nações devem realizar mudanças nos regulamentos governamentais, evitando criar restrições à entrada de capitais através de barreiras comerciais ou aumentar a regulamentação dos seus mercados financeiros; devem desvalorizar a moeda e conter gastos excessivos; devem ampliar a competitividade das empresas nacionais retirando subsídios e incentivos às empresas não competitivas. Assim, o papel do governos neste novo cenário da globalização seria o de se ajustar ao novo paradigma organizacional das empresas globais e promover a constituição de uma escala de fatores favoráveis ao desenvolvimento das vantagens competitivas nacionais.

Dentro desta perspectiva a globalização coloca-se como um imperativo para o desenvolvimento econômico das nações.

2ª - A Globalização como a Mundialização do Capital: orientada pelo professor francês François Chesnais, economista especialista em economa mundial e inovação tecnológica, que leciona nas Universidades de Paris- XIII, Villetaneuse.

Segundo esta corrente a origem ideológica do termo globalização, popularizado pela mídia internacional, é originária das Bussiness Schools dos Estados Unidos, que empregavam o termo para designar o processo de liberação dos mercados mundiais que permitia a expansão da influência dos grupos financeiros da economia internacional, considerados como atores principais deste processo de desregulação.

Segundo Chesnais o termo latino mundialização, ao contrário do viés ideológico contido no termo globalização, melhor se aplica para explicar os mecanismos de estruturação e valorização do capital produtivo e financeiro a nível internacional. Para ele, na fase atual de acumulação capitalista, uma parte do capital produtivo se separa do conjunto do capital e se valoriza como capital financeiro. Este processo, generalizado neste período, vem constituindo um impasse estrutural ao conjunto da reprodução lógica do sistema capitalista. Pois, o capital financeiro, constituído autonomamente e desvinculado em lastro real com o capital produtivo, emerge como uma nova forma fícticia e simulada.

3ª - A Globalização como processo histórico antigo: legada pelos influentes estudiosos ingleses Paul Hirst e Grahame Thompson, o primeiro é professor de Teoria Social no Birkbeck College, Londres; e o segundo é professor de economia da Open University, Londres. Para Hirst, se o termo globalização fosse aplicado para designar o atual processo unificador de crescimento do comércio e do investimento internacionais, não haveria nenhuma novidade neste processo. Segundo Hirst partindo dessa premissa pode-se afirmar que este processo remonta a 1870 e não à atualidade.

Entretanto, o atual processo de globalização iniciado nos anos 80 (1983-1990) possui características diferenciadas dos três fases de globalização anteriores: a primeira, que se extendeu de 1870 a1914, denominada de belle époque, com crescimento médio do comércio e da produção ao redor de 3,5% ; a segunda, de 1950 a 1973, considerada como o grande boom, com crescimento médio do comércio e da produção ao redor de 9,4% ; e a terceira, de 1973 de a 1979, caracterizada pela liberalização generalizada dos movimentos de capitais, pelas desregulação dos mercados financeiros nacionais e pela adoção de taxas de câmbio flutuantes, com crescimento médio do comércio e da produção ao redor de 9% . A caracterísitica principal da fase atual da globalização é sua forte capacidade destrutiva e desestabilizadora da economia mundial.

Para Hirst, o discurso da globalização tal como vem se consolidando ideologicamente tende "a destruir a vontade política de buscar os meios para manterem-se a produção, o emprego e a eqüidade social nos países de industrialização avançada prejudicando seu desempenho econômico de longo prazo".

Segundo Hirst, a apartir dos anos 80 ingressamos em uma nova fase de rápido crescimento do mercado mundial e de crescimento dos investimento diretos estrangeiros. Todavia o atual sistema econômico internacional esta mais vulnerável e instável e pode conter os elementos cada vez mais imprevisíveis da crise, dado o extraordinário crescimento do capital volátil sem lastro com a produção real.

Entretanto, para Hirst (1998, p.121-20, Figura 14):

"O perigo atual é que a crença de que a economia global é ingovernável poderá levar ao fatalismo e a rendição, isto é, a render-se às panacéias preconizadas pelos mercados financeiros internacionais e pelas e ricas elites nacionais. O perigo das políticas atuais é que elas favorecem a riqueza nos países desenvolvidos, em detrimento da ampla classe média, e favorecem a Comunidade Européia e um pequeno número de países em desenvolvimento bem-sucedidos, em detrimento dos pobres da África, América do Sul e Ásia".

Referências Bibliográficas:
A FORÇA DA aldeia. Veja, São Paulo, v.29, n.14, p.92, 3 abr. 1996.
BAUMANN, Renato. Uma visão econômica da globalização.
In: ____. O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro:
Campus/SOBEET, 1996.
CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital, São Paulo: Xamã, 1996.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura global: introdução. In:____. Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994. p.7-21
FIORI, José Luís. Em busca do dissenso perdido: ensaios críticos sobre a festejada crise do Estado. Rio de Janeiro: Insight Editorial, 1995.
IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
OHMAE, K. Triad power. New York: The Free Press, 1985.
OMAN, Charles. Globalização e regionalização nas décadas de 1980 e 1990. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis et al. Fórum Nacional: a nova ordem internacional e a terceira revolução industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.
________ . O desafio para os países em desenvolvimento. Revista Brasileira de Comércio Exterior, Rio de Janeiro, v.10, n.39, p.7-15, abr./jun.1994.
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