MIME-Version: 1.0 Content-Type: multipart/related; boundary="----=_NextPart_01CAA680.4CDD0BA0" Este documento é uma Página da Web de Arquivo Único, também conhecido como Arquivo da Web. Se você estiver lendo esta mensagem, o seu navegador ou editor não oferecem suporte a Arquivos da Web. Baixe um navegador que ofereça suporte a Arquivos da Web, como o Windows® Internet Explorer®. ------=_NextPart_01CAA680.4CDD0BA0 Content-Location: file:///C:/C96B30C1/mecanica_classica.htm Content-Transfer-Encoding: quoted-printable Content-Type: text/html; charset="us-ascii"
Da mecânica clássica
à ciência do engenheiro
Robert Halleux e Diane Lalevitch=
Com a Revolução Científica, o mun=
do
de Aristóteles - o dos elementos e das
qualidades - cede lugar a um mundo onde tudo se faz "por for=
ma e
movimento", quer dizer, onde os fenómenos naturais se redu-zem a
deslocamentos da matéria no espaço e no tempo. Se o mundo
é escrito em linguagem matemática, a mecânica aparece a=
ssim
como a mais matematizada, logo a mais perfeita, das novas ciências, e
como o melhor terreno de encontro entre a teoria e a observaçã=
;o
ou a experiência.
Contudo, a mecânica
clássica como um todo está longe de brotar já completa=
dos
cérebros de Galileu e de Newton. Como escreve Pierre Duhem nas suas
célebres Origens da Estática:
cada teorema [...] foi-se
constituindo lentamente, por uma imensidão de pesquisas, de tentativ=
as,
de hesitações, de discussões, de
contradições. Nesta conjugação de esforç=
os
nenhuma tentativa foi em vão; todas contribuíram para o
resultado; cada uma desempenhou o seu papel, preponderante ou
secundário, na formação da doutrina definitiva; o
próprio erro foi fecundo: [...]. E entretanto, enquanto todos estes
esforços contribuíam para o avanço de uma ciência
que contemplamos hoje na plenitude da sua perfeição, nenhum
daqueles que realizavam esses esforços suspeitava da grandeza nem da=
forma
do monumento que construía. [...]. Nem Bernoulli, nem Lagrange podiam
adivinhar que o seu método dos deslocamentos virtuais seria, um dia,
admiravelmente adequado para tratar do equilíbrio eléctrico e=
do
equilíbrio químico; não podiam prever Gibbs, embora fo=
ssem
os seus precursores. Pedreiros hábeis a talhar uma pedra e a
cimentá-la, eles trabalhavam num monumento cujo arquitecto não
lhes revelara o plano.
Deste tactear, a historio=
grafia
científica - aquela que realça apenas os sucessos da
ciência - reteve os nomes de Galileu com a lei da queda dos
graves, o movimento uniformemente acelerado, a trajectória
parabólica dos projécteis; de Stevin, Roberval, Varignon com o
paralelogramo de forças; de Jean Bernoulli com o princípio dos
trabalhos virtuais; de Leibniz com as regras do choque dos corpos. Estas
diversas aquisições coordenaram-se pouco a pouco no decurso do
século XVII, até aos Principia de Newton (1687).
Tomando o lugar dos holan=
deses,
Voltaire e Madame du Châtelet vão, pouco a pouco, habituar os =
espí-ritos
ao newtonianismo, que vai destronar, no ensino, o sistema de Descartes.
O século XVIII &ea=
cute;
o tempo das grandes sínteses, da mecânica racional já
próxima da nossa. O Tratado de dinâmica de d'Alembert
(1743), a Mecânica de Leonard Euler (1736), balizam a via que
conduz à ilustre Mecânica analítica de Lagrange
(1788).
O Gabinete de Coimbra ref=
lecte
o programa típico de um curso do século XVIII.
Significativamente, na Mecânica começa-se pela Dinâmica =
com
a experiência imortal do plano inclinado de Galileu. É apropri=
ado
citar aqui o famoso texto dos Discorsi (1638):
Na espessura de uma
régua, isto é, de uma prancha de madeira com o comprimento de
cerca de 12 côvados, a largura de meio côvado e a espessura de
três dedos, estava cavado um canal com a largura de pouco mais de um
dedo. Tinha um traçado bem rectilíneo, e, para que fosse muito
polido e muito liso, estava coberto inteiramente de uma folha de pergaminho
tão lustrosa quanto possível. Fazia-se descer ao longo desse =
canal
uma esfera de bronze muito dura, bem redonda e bem polida. A régua,
construída como acabamos de descrever, tinha uma das extremidades qu=
e se
elevava de um côvado ou dois, arbitrariamente, acima do plano horizon=
tal.
Deixava-se descer, como já disse, a esfera pelo canal e registava-se=
, da
maneira que passarei a descrever, o tempo de todo o percurso; repetia-se o
mesmo ensaio numerosas vezes para ter confiança no valor deste tempo=
, e,
nesta repetição, nunca se encontraram diferenças
superiores a um décimo de uma pulsação. Feita esta ope=
ração
e confirmada com precisão, fizemos descer a mesma esfera ao longo de
apenas um quarto do comprimento do canal; o tempo de queda, medido, era sem=
pre
rigorosamente igual a metade do outro...
Tendo sido repetida a
experiência cem vezes, verificou-se que os espaços percorridos
estavam na razão directa dos quadrados dos tempos, e isto qualquer q=
ue
fosse a inclinação do plano, isto é, do canal por onde
descia a esfera. Observámos também que os tempos de queda ao
longo de planos diferentemente inclinados estavam na proporção
que lhe atribuíam [as nossas demonstrações]. No que
concerne à medida do tempo, havia suspenso no ar um grande balde de
água; um pequeno orifício no fundo deixava escapar um fiozinh=
o de
água que era recolhido num pequeno vaso durante todo o tempo de desc=
ida
da esfera ao longo do canal ou de partes deste; as quantidades de ág=
ua
assim recolhidas eram pesadas numa balança bastante exacta, as
diferenças e as relações dos seus pesos davam as difer=
enças
e as relações dos tempos e isto com uma tal precisão q=
ue,
como já disse, estas operações repetidas inúmer=
as
vezes nunca deram uma diferença apreciável.
É na mesma perspec=
tiva
galileana que se situa a balança do padre Mersenne (instrumento 58),
dispositivo engenhoso para procurar determinar a "força viva&qu=
ot;
adquirida por um grave no decurso da sua queda.
Diversos aparelhos (instr=
umento
54) comparam a queda de um grave ao longo de um plano inclinado e ao longo =
de
uma ciclóide. A ciclóide, conhecida noutros tempos por roleta,
como é sabido, é uma curva gerada por um ponto de uma
circunferência que roda no seu plano sobre uma recta fixa. O estudo
matemático da ciclóide tinha estado muito em moda no
século XVII. Pascal tinha calculado o seu centro de gravidade e a su=
a área;
Wren, o seu comprimento; Roberval, a sua tangente. Christiaan Huygens tinha
calculado o movimento de um ponto material ao longo de uma ciclóide.=
A ciclóide tinha, =
de
resto, uma outra aplicação que encontramos no relógio =
50:
Galileu tinha estabelecido o isocronismo das oscilações do
pêndulo. Num relógio o pêndulo substituía com
vantagem o balanceiro primitivo, como regulador. Foi esta a
invenção de Christiaan Huygens no seu Horologium Oscillato=
rium
de 1657. Mas o isocronismo obtido não era perfeito, porque o
período do pêndulo não era completamente independente da
amplitude das oscilações. Huygens imaginou em 1659 constrange=
r o
pêndulo a descrever uma ciclóide, o que se consegue se o seu f=
io
de suspensão se vier apoiar, no seu movimento oscilatório, so=
bre
batentes em forma de arcos cicloidais.
O ensino da Dinâmica
completa-se por um dispositivo engenhoso (instrumento 52) destinado a
demonstrar uma outra grande aquisição de Galileu, a
trajectória parabólica dos projécteis.
Por fim, podia ilustrar-s=
e o
paralelogramo das forças e a lei da composição dos
movimentos e passar desde logo à estática, com máquinas
que são ainda utilizadas hoje nos cursos de Física: as alavan=
cas
de diferentes espécies, rectas e angulares (instrumentos 10 a 12), as
roldanas, talhas e cadernais, os parafusos sem fim. Observa-se o efeito
multiplicador das alavancas compostas (instrumento 13) que se
reencontrará mais tarde aplicado nas básculas; do mesmo modo =
no
que diz respeito a máquinas simples; as condições de
equilíbrio num plano inclinado (instrumento 45), graças a um
outro aparelho de Galileu; enfim o cálculo do centro de gravidade
(instrumentos 6 a 8).
O triunfo do paradigma
mecanicista e a matematização do mundo não podiam deix=
ar
de desenvolver as técnicas de medida, não somente do
espaço e do tempo, mas também do quente e do frio, do seco, do
húmido, outros tantos domínios que até então ti=
nham
permanecido qualitativos.
Construíram-se
empiricamente balanças muito antes de conhecer a teoria completa da
alavanca. A balança com fiel de braços iguais com pesos
(instrumentos 14 a 16) provém da mais remota antiguidade. A partir do
terceiro século antes da nossa era, fez-lhe concorrência a
balança "romana" de cursor deslizante sobre uma haste grad=
uada
(instrumentos 18 e 19). Os dois tipos denominam-se de pratos inferiores, po=
is
os pratos estão situados abaixo do fiel. É Gilles Personne de
Roberval que põe a funcionar em 1669 a balança de pratos
superiores, sempre horizontais graças a um paralelogramo articulado.=
Mas
é somente no século XIX que a balança de Roberval vai
invadir os balcões e os lares.
A colecção =
de
Coimbra apresenta uma balança "fraudulenta" de braç=
os
desiguais (instrumento 17). Era este, com efeito, um domínio onde a
Física tinha muito a dizer. Em particular, as balanças romana=
s,
onde a exactidão depende da igualdade das divisões sobre a ha=
ste,
eram o alibi de todas as trapaças (para já não falar d=
as
variações nos pesos padrão de medida), mas não =
se
podia passar sem elas. Havia-as de todos os tamanhos, desde as pequenas
balanças de boticário até às enormes
máquinas destinadas a pesar as gusas de fundição.
Contudo, as pequenas
balanças ou balanças de precisão utilizadas pelos
contrastadores de metais preciosos aspiravam a uma maior precisão. D=
esde
o século XV, estavam "sob lanterna", quer dizer, numa redo=
ma
de vidro para evitar a poeira e as correntes de ar. A balança
aperfeiçoada por Magalhães (instrumento 22), com os seus
parafusos de regulação e o seu nível de bolha de ar,
são disso um exemplo acabado. A precisão crescente das
balanças de experiências será um factor decisivo nos
trabalhos de Joseph Black (1728-1799) e de Lavoisier (1743-1794), permitindo
assim a revolução química e as grandes leis ponderais.=
Por outro lado, o
princípio da multiplicação das forças por
séries de alavancas acopladas, descrito nos tratados de Mecâni=
ca a
partir do século XVI, irá fornecer o princípio da prim=
eira
ponte basculante, a de John Wyatt em 1741, e das básculas industriai=
s do
século XIX. O modelo exposto fornece uma ilustração
extremamente precoce.
A colecção =
de Coimbra
contém outros espécimes de aparelhos de medida: avaliador de
distância ou odó-metro (instrumento 48), higrómetro
(instrumento 72), pirómetro ou dilatómetro (instrumentos 85 e
86), sem falar do tribómetro de Desagulliers.
O odómetro j&aacut=
e;
fora descrito no século I por Vitrúvio: assenta no
princípio desmultiplicador de um jogo de rodas dentadas. Podia medir
caminhos pelas rotações das rodas de uma carruagem ou de um
veículo, mas os agrimensores utilizavam-no igualmente. O
higrómetro indica o grau de secura ou de humidade do ar. Já v=
em
do século XVII e assenta no fenómeno da absorçã=
o,
isto é, do alongamento produzido pela humidade em certas
substâncias orgânicas. Toda a substância que se alonga ou
encurta sob o efeito da secura ou da humidade pode servir de higróme=
tro.
Havia uma série deles utilizando cânhamo, tripa, etc. Podia
medir-se também o aumento de peso de corpos higroscópicos. Mas
como observava d'Alembert: "Tudo o que se pode esperar de um
higrómetro de corda é que indique se há mais ou menos =
humidade
no ar em comparação com o dia anterior, e obtém-se isso
por tantos outros sinais, que é bastante inútil fazer uma
máquina que não acrescenta nada. O que interessaria mais saber
é de quanto a humidade ou a secura aumentam ou diminuem de um instan=
te
para outro e poder tornar estes instrumentos comparáveis. Mas parece
muito difícil poder fazer higrómetros que tenham essa
vantagem...". Os aparelhos perdiam a sua sensibilidade com o
envelhecimento.
O higrómetro de ca=
belo,
aperfeiçoado por de Saussure em 1783, utilizava cabelos previamente
desengordurados que se alongam sob o efeito da humidade. Generalizou-se como
sendo o mais cómodo.
O pirómetro deriva=
de
uma série de aparelhos que indicam a temperatura pela
dilatação de diversas substâncias sob o efeito do calor.
Assim, o conceito moderno de temperatura substitui as impressões
sensoriais de calor e de frio. Os termoscópios de Filon de
Bizâncio (século III a. C.) e de Héron de Alexandria
(século I d. C.), baseados na dilatação do ar sob o ef=
eito
do calor, encontram o seu prolongamento nos termómetros de ar de
Santorio (1561-1636), Galileu (1564-1642), Robert Fludd (1574-1637) e Corne=
lius
Drebbel (1572-1663). No século XVII estes aparelhos, que eram t&atil=
de;o
sensíveis às mudanças de pressão atmosfé=
rica
como às de temperatura, foram substituídos pelos
termómetros de líquido, nomeadamente os termómetros de
álcool da Accademia del Cimento (entre 1657 e 1667). Os esforç=
;os
dos investigadores orientaram-se em duas direcções de
reflexão; uma teórica: a definição do conceito =
de
temperatura e o estabelecimento de uma escala termométrica racional e
precisa; a outra de ordem prática, aumentando a fiabilidade dos
instrumentos. É nesta dupla direcção que se inscrevem =
os
trabalhos de Fahrenheit (1724), de Réaumur (1730-31) e de Celsius
(1742). Para temperaturas mais elevadas utilizava-se a acção =
do
fogo sobre os metais e outros sólidos; o pirómetro de
Musschenbroek utilizava a dilatação de uma barra de ferro que
agia sobre alavancas e uma roda dentada até um quadrante que media a
expansão térmica da barra. O obstáculo reside no facto=
de
os sólidos terem um estado molecular que se modifica facilmente sob o
efeito do calor e não retomarem necessariamente o mesmo volume ao
regressar à temperatura inicial. Com efeito, como o fez notar Maurice
Daumas, estes instrumentos não mediam quantidades de calor mas sim
coeficientes de dilatação linear.
MECÂNICA APLICAD=
A
Uma boa metade da
colecção de Mecânica de Coimbra é consagrada ao =
que
se poderia chamar a Mecâ-nica aplicada: maquetes de aparelhos de
elevação, engenharia civil, pontes e veículos de estra=
da.
Desde o século XVI=
I, os
autores de tratados de Mecânica pretendem ser práticos. Querem
libertar as artes e ofícios do empirismo, de fórmulas feitas,
mais ou menos eficazes, herdadas da tradição. Querem
alicerçá-las doravante numa sólida base física e
matemática. Já Mersenne, traduzindo as Mecanicas de
Galileu (1634), acrescentava "várias adições rara=
s e
novas, úteis aos Arquitectos, Fabricantes de cântaros e talhas,
Filosófos e Artesãos". Roberval tinha previsto um resumo=
do
seu tratado de Mecânica para os artesãos. Em 1675, Luís=
XIV
e Colbert pressionaram a Academia das Ciências para que escrevesse
«um tratado de Mecânica, onde a Teoria e a Prática fossem
explicadas de uma maneira clara e ao alcance de todos; dever-se-ia,
porém, separar da Teoria tudo o que estivesse demasiado perto da
Física, tudo o que pudesse dar origem a dispersão; isso dever=
ia
ser concentrado numa espécie de introdução a toda a ob=
ra.
Descrever-se-iam em seguida, na obra própriamente dita, todas as
máquinas em uso na prática das Artes quer em França, q=
uer
nos países estrangeiros". A palavra Arte possui aqui o s=
eu
sentido antigo, cha- mava-se "Artes e Ofícios" ao que hoje=
se
chama "Técnicas".
É neste espí=
;rito
que, em 1729, Bernard Forest de Bélidor (1697-1761) publica a sua Ciência
dos Engenheiros que, constantemente actualizada, será o
breviário de várias gerações de engenheiros
até ao século XIX. As considerações preliminares
são bem reveladoras:
Desde que se procurou nas
Matemáticas os meios de aperfeiçoar as artes, fizeram-se nest=
as
progressos que não se teria ousado esperar anteriormente; mas, como
há apenas um pequeno número de pessoas em estado de julgar at=
é
onde esta ciência pode conduzir, temos dificuldade em convencer-nos de
que ela seja capaz de todas as maravilhas que se lhe atribui, uma vez que o=
que
se descobriu de mais vantajoso é justamente o que está mais
afastado do público, e mesmo daqueles que mais utilmente se poderiam
servir dessas descobertas, por estarem longe de abranger os princípi=
os
que conduziram à investigação de uma infinidade de coi=
sas
úteis, a menos que eles se instruam sobre essa matéria e se
ponham, por assim dizer, eles próprios em estado de fazer descoberta=
s: aliás,
a opinião de que só a prática os pode conduzir a esses
objectivos é ainda um obstáculo, que não é o me=
nos
difícil de vencer. É bem verdade que a experiência
contribui muito para fornecer conhecimentos novos, e que ela fornece todos =
os
dias às pessoas mais hábeis temas de reflexão de que
não se teriam apercebido se ela não os tivesse feito nascer. =
Mas
é necessário que esta experiência seja esclarecida, sem=
o
que se poderão tão só formar ideias muito confusas sob=
re
tudo o que se apresenta. Daí advém que muitas coisas imperfei=
tas
permanecem sempre no mesmo estado; transmitem-se de uma geraçã=
;o
à outra com os mesmos defeitos. E se por acaso alguém se lemb=
ra
de o fazer notar, imediatamente toda a gente do ofício se revolta co=
ntra
a novidade; custa a entender que aqueles que nunca na vida trabalharam em
certas obras, possam raciocinar sobre elas com justeza.
Bélidor ver-se-&aa=
cute;
de resto na necessidade de fornecer uma exposição dupla, uma
matemática, outra sem matemáticas.
A construçã=
o de
pontes (maquete 42) constitui uma bela ilustração destas
interferências entre mecânica aplicada e empirismo artesanal. A
industrialização do século XVIII necessita de grandes
trabalhos de engenharia civil, nomeadamente de pontes. O arco de volta inte=
ira,
herdado dos romanos, estava largamente suplantado pelo arco abatido, que ti=
nha
a vantagem de baixar o nível das calçadas, de suprimir as for=
mas
abauladas, de alargar a saída das águas. Mas o cálculo=
das
abóbadas e das aduelas dos arcos de abóbada, dos pilares e dos
pegões de ponte continuava tributário dos conhecimentos
tradicionais. É o caso da regra de Leone Battista Alberti segundo a =
qual
o comprimento das aduelas não devia ser inferior a um quinzeavos da
abertura do arco, e o pegão devia ter um quinto da largura dos arcos=
. Os
matemáticos vão esforçar-se para calcular em bases
teóricas o vão das aduelas dos arcos de abóbada, a
impulsão dos arcos de ponte, a resistência dos apoios, a espes=
sura
dos pilares das abóbadas, a largura das aduelas. Assim Bélido=
r,
na mesma linha de la Hire, considerará as aduelas dos arcos de
abóbada como um jogo de cantoneiras que se mantém em
equilíbrio, desde o fecho da abóbada até aos pilares, =
por
cancelamento das suas pressões recíprocas. É o objecti=
vo
do modelo reduzido de Coimbra, que se construía inicialmente sobre um
arco de abóbada que era em seguida retirado.
Para construir os
pegões, os engenheiros do século XVIII conservavam-se
fiéis ao método de estaca-prancha para evitar a entrada de
água e batiam estacas no leito do rio com uma espécie de grua
(instrumento 37), que em francês se chama carneiro ou campa=
inha
porque o seu funcionamento lembrava o som dos chocalhos; tratava-se de um
pesado cepo içado à altura por uma corda, depois largado, uma
bela aplicação da queda dos graves. Batia-se até o bat=
e-estacas
não poder mais. A única fonte de energia era a força
humana, era necessária uma equipa de cinquenta homens por bate-estac=
as.
Trata-se de uma máquina tradicional, aperfeiçoada somente nos
pormenores de enganchamento do bate-estacas. Para o trabalho debaixo de
água, a câmpanula de mergulhadores (instrumento 2), já
descrito pelos autores medievais, era utilizado, sobretudo na Holanda, para
retirar do fundo do mar ou dos rios as coisas perdidas por naufrágio=
ou
outro motivo. Lastrava-se com chumbo; um trabalhador experimentado podia
conservar-se lá uma meia hora.
Encontra-se a mesma mistu=
ra de
tradição e de aperfeiçoamentos menores nos engenhos de
levantamento (instrumentos 31 e 35), tripés (instrumento 29), gruas
(instrumentos 38 a 41) e cabrestante (instrumento 32). A energia é a=
inda
fornecida por homens que puxam à corda, empurram o sarilho, andam
à roda com o molinete, ou andam numa "jaula". Por outro la=
do a
armação permanece em madeira. Os progressos incidem portanto
sobre as roldanas e as rodas dentadas, como as rodas de roquete (instrumento
39) ou a «alavanca de roda dentada» de la Garouste (la Garousse)
(instrumento 36). É uma roda deencontro de dentes que transforma o
movimento circular alternativo em movimento circular con-tínuo. A
alavanca está munida de um dente duplo; enquanto um se engrena num d=
ente
da roda, o outro coloca-se num novo dente. La Garouste é assim o pai=
da
nossa "racagnac".
Por fim, um pouco por tod=
a a
Europa, o acréscimo do tráfico contrastava com a miserá=
;vel
qualidade da rede de estradas e dos veículos. O eixo em ferro forjad=
o,
as lâminas de mola em ferro laminado, o guar-necimento a quente, com
arcos, dos aros das rodas começava a espalhar-se por viaturas
particulares. Para os transportes pesados o problema não estava reso=
lvido.
A melhoria dos revestimentos e dos carros parecia ser também do
âmbito da Mecânica. Em França, a École des Ponts =
et
Chaussées, fundada em 1747, dedicou-se a formar engenheiros aptos a
estudar matematicamente estes problemas. Para os carros o esforço
incidiu sobre o cálculo da tracção, ou seja o trabalho
fornecido por um cavalo, e as resistências ligadas ao peso do
veículo, ao raio das rodas, à espessura dos aros, ao revestim=
ento
dos caminhos, etc. Assim d'Alembert, no artigo "Chariot da
Encyclopédie", fornece a teoria da roda que ele considera como =
uma
alavanca cujo ponto de apoio é a extremidade inferior que assenta so=
bre
a terra; demonstrou que as rodas grandes tornam a rodagem mais fácil,
mas menos estável. O estudo dos centros de gravidade encontrava
aí uma aplicação. Estes esforços explicam as
tentativas de modelos de plataforma rebaixada. O problema era manifestament=
e de
actualidade no laboratório de Coimbra. Seguiam-se os últimos
desenvolvimentos da investigação, como os trabalhos de Cather=
ine
François Boulard (instrumento 46), arquitecto lionês (m. 1794),
que tinha estudado a forma e a natureza das jantes (1781) e o carro de
transporte "mais ligeiro, mais rolante, menos capaz de degradar os
caminhos" (1788).
Como em Mecânica
teórica, a colecção de Mecânica aplicada reflecte
também fielmente os desenvolvimentos mais recentes da
investigação tecnológica. Mas é uma tecnologia =
da
madeira e da força animal, levada à perfeição, =
isto
é, saturada. Serão necessários, nos decénios qu=
e se
seguirão, a máquina a vapor e o progresso da
construção metálica para a desbloquear.
Índice <= /p>