Pré História Tecnológica

Pré-história tecnológica



Introdução

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Como já foi dito, só foi possível chegar aos computadores pelas descobertas teóricas de homens que, ao longo dos séculos, acreditaram na possibilidade de criar ferramentas para aumentar a capacidade intelectual humana e dispositivos para substituir os aspectos mais mecânicos do modo de pensar do homem. E desde sempre esta preocupação se manifestou na construção de mecanismos para ajudar tanto nos processos de cálculo aritmético como nas tarefas repetitivas ou demasiado simples, que pudessem ser substituídas por animais ou máquinas. Neste capítulo tratar-se-á dos dispositivos físicos que precederam o computador, principalmente as máquinas analógicas que incentivaram a corrida final até o aparecimento dos computadores digitais.

 


 

Dispositivos mais antigos

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Os primeiros dispositivos que surgiram para ajudar o homem a calcular têm sua origem perdida nos tempos. É o caso por exemplo do ábaco e do quadrante. O primeiro, capaz de resolver problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão de até 12 inteiros, e que provavelmente já existia na Babilônia por volta do ano 3.000 a.C. Foi muito utilizado pelas civilizações egípcia, grega, chinesa e romana, tendo sido encontrado no Japão, ao término da segunda guerra mundial.

O quadrante era um instrumento para cálculo astronômico, tendo existido por centenas de anos antes de se tornar objeto de vários aperfeiçoamentos. Os antigos babilônios e gregos, como por exemplo Ptolomeu, usaram vários tipos de dispositivos desse tipo para medir os ângulos entre as estrelas, tendo sido desenvolvido principalmente a partir do século XVI na Europa. Outro exemplo é o compasso de setor, para cálculos trigonométricos, utilizado para se determinar a altura para o posicionamento da boca de um canhão, e que foi desenvolvido a partir do século XV.

Os antigos gregos chegaram até a desenvolver uma espécie de computador. Em 1901, um velho barco grego foi descoberto na ilha de Antikythera. No seu interior havia um dispositivo (agora chamado de mecanismo Antikythera) constituído por engrenagens de metal e ponteiros. Conforme Derek J. de Solla Price, que em 1955 reconstruiu junto com seus colegas essa máquina, o dispositivo Antikythera é "como um grande relógio astronômico sem a peça que regula o movimento, o qual usa aparatos mecânicos para evitar cálculos tediosos" (An Ancient Greek Computer, pg. 66§1). A descoberta desse dispositivo, datado do primeiro século a.C., foi uma total surpresa, provando que algum artesão do mundo grego do mediterrâneo oeste estava pensando em termos de mecanização e matematização do tempo (...)"7.

 


 

Logaritmos e os primeiros dispositivos mecânicos de cálculo

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John Napier, Barão de Merchiston, é bastante conhecido pela descoberta dos logaritmos, mas também gastou grande parte de sua vida inventando instrumentos para ajudar no cálculo aritmético, principalmente para o uso de sua primera tabela de logaritmo.

A partir dos logaritmos de Napier surgiu uma outra grande invenção, desenvolvida pelo brilhante matemático Willian Oughtred e tornada pública em 1630: a régua de cálculo. Ganhou sua forma atual por volta do ano de 1650 (de uma régua que se move entre dois outros blocos fixos), tendo sido esquecida por duzentos anos, para se tornar no século XX o grande símbolo de avanço tecnológico, com uso extremamente difundido, até ser definitivamente substituída pelas calculadoras eletrônicas.

Com o desenvolvimento dos primeiros dispositivos mecânicos para cálculo automático, começa efetivamente a vertente tecnológica que levará à construção dos primeiros computadores. A preparação do caminho para a completa automatização dos processos de cálculo foi executada pelos esforços desses primeiros pioneiros da Computação, que vislumbraram a possibilidade da mecanização mas não possuíam os instrumentos e materiais adequados para concretizar seus projetos. Entre esses grandes nomes não se pode deixar de citar Wilhelm Schickard (1592-1635), Blaise Pascal (1623-1662) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Existem excelentes obras sobre essas invenções e somente serão citados os elemento básicos que as compunham§2, pois muitas dessas idéias estarão presentes de alguma forma nos futuros computadores.

Quase todas as máquinas para execução de cálculos mecânicos desses três séculos a partir do XVI tinham 6 elementos básicos em sua configuração80:

    • um mecanismo através do qual um número é introduzido na máquina. Nos primeiros projetos isto era parte de um outro mecanismo, chamado seletor, tornando-se algo independente nas máquinas mais avançadas;
    • um mecanismo que seleciona e providencia o movimento necessário para executar a adição ou subtração das quantidades apropriadas nos mecanismos de registro;
    • um mecanismo (normalmente uma série de discos) que pode ser posicionado para indicar o valor de um número armazenado dentro da máquina (também chamado de registrador);
    • um mecanismo para propagar o "vai um" por todos os dígitos do registrador, se necessário, quando um dos dígitos em um registrador de resultado avança do 9 para o 0;
    • um mecanismo com a função de controle, para verificar o posicionamento de todas as engrenagens ao fim de cada ciclo de adição;
    • um mecanismo de 'limpeza' para preparar o registrador para armazenar o valor zero.

 


 

Charles Babbage e suas máquinas

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A idéia de Leibniz de, através de máquinas, liberar o homem das tarefas repetitivas e de simples execução foi quase posta em prática pelo matemático e astrônomo inglês Charles Babbage (1792-1871), considerado unanimemente um dos grandes pioneiros da era dos computadores. No ano de 1822 ele apresentou em Londres o projeto de um mecanismo feito de madeira e latão, que poderia ter alterado o rumo da história se tivesse sido construído efetivamente. Babbage concebeu a idéia de um dispositivo mecânico capaz de executar uma série de cálculos.

Já por volta da década de 1820 ele tinha certeza de que a informação poderia ser manipulada por máquina, caso fosse possível antes converter a informação em números. Tal engenho seria movido a vapor, usaria cavilhas, engrenagens, cilindros e outros componentes mecânicos que então compunham as ferramentas tecnológico disponíveis em sua época. Para descrever os componentes de sua máquina faltavam-lhe os termos que atualmente são usados. Chamava o processador central de "usina" e referia-se à memória da máquina como "armazém". Babbage imaginava a informação sendo transformada da mesma forma que o algodão - sendo tirada do armazém e modificada para algo diferente. Em 1822 Babbage escrevia uma carta a Sir Humphry Davy, o então presidente da Royal Society, sobre automatizar, como ele próprio dizia, "o intolerável trabalho e a cansativa monotonia" das tabelas de cálculo, escrevendo um trabalho científico intitulado "On the Theoretical Principles of the Machinery for Calculating Tables"(...)26.

Embora conhecido por seu trabalho na área de Computação, não será demais citar que Charles Babbage foi também um excelente matemático e ao lado de Peacock, Herschel, De Morgan, Gregory e do próprio George Boole, pode ser visto como um dos introdutores da concepção moderna da Álgebra26. Além disso foi um dos líderes da Sociedade Real de Astronomia inglesa, tendo publicado também pesquisas no campo da óptica, meteorologia, eletricidade e magnetismo, funcionamento de companhias de apólices de seguros, criptologia, geologia, metalografia, sistemas taxonômicos, máquinas a vapor, etc. Escreveu e publicou vários livros, um deles (On the Economy of Machinery and Manufacturers) reconhecido posteriormente como um dos trabalhos pioneiros na área chamada Pesquisa Operacional.

Mas o que motivou esse inglês a fazer um dispositivo capaz de resolver equações polinomiais através do cálculo de sucessivas diferenças entre conjuntos de números (no anexo II descreve-se o Método das Diferenças) foi a necessidade de uma maior precisão na elaboração de tabelas logarítmicas.

No final do século XVIII houve uma proliferação de tabelas de vários tipos. Desde Leibniz e Newton os matemáticos estiveram preocupados com o problema da produção de tabelas, tanto por meios matemáticos - como no caso das de multiplicação, seno, coseno, logaritmos, etc. - ou por meio de medições físicas - densidade em função da altitude, constante gravitacional em diferentes pontos da terra, etc. A intenção era reduzir o trabalho de cálculo, mas as tabelas produzidas pelos especialistas tinham muitos erros. Os matemáticos estavam cientes deles e estudos foram elaborados para se tentar melhorar a situação. Nestas circunstâncias apareceu o projeto denominado Difference Engine de Babbage, que lhe valeu o apoio de seus colegas da Sociedade Real e fundos do governo britânico para iniciá-lo.

O desafio era construir um dispositivo para computar e imprimir um conjunto de tabelas matemáticas. Babbage contratou um especialista em máquinas, montou uma oficina e então começou a descobrir quão distante estava a tecnologia do seu tempo daqueles mecanismos altamente precisos e de movimentos altamente complexos exigidos pelo seu projeto. A conclusão foi que deveria, antes de iniciar a construção da Máquina de Diferenças, gastar parte dos seus recursos para tentar avançar o próprio estado da arte da tecnologia vigente. Todos estes trabalhos prolongaram-se por alguns anos, sem sucesso, até que o governo inglês desistiu do financiamento. Em 1833 Charles Babbage parou de trabalhar em sua máquina§3.

Apesar de tudo, esse teimoso inglês já vinha desenvolvendo novas idéias. Provavelmente tentando alguma nova modificação no projeto da Máquina de Diferenças foi que Charles Babbage concebeu um mecanismo mais complicado que este em que falhara, após vários anos de tentativas. O pensamento era simples: se é possível construir uma máquina para executar um determindo tipo de cálculo, por que não será possível construir outra capaz de qualquer tipo de cálculo? Ao invés de pequenas máquinas para executar diferentes tipos de cálculos, não será possível fazer uma máquina cujas peças possam executar diferentes operações em diferentes tempos, bastando para isso trocar a ordem em que as peças interagem?

Era a idéia de uma máquina de cálculo universal, que virá a ser retomada em 1930 por Alan Turing, e que terá então consequências decisivas. Vale ressaltar que o Analitical Engine, a Máquina Analítica - nome dado por Charles Babbage à sua invenção - estava muito próxima conceitualmente daquilo que hoje é chamado de computador.

A Máquina Analítica poderia seguir conjuntos mutáveis de instruções e, portanto, servir a diferentes funções - mais tarde isso será chamado de software... Ele percebeu que para criar estas instruções precisaria de um tipo inteiramente novo de linguagem e a imaginou como números, flechas e outros símbolos. Ela seria para Babbage "programar" a Máquina Analítica, com uma longa série de instruções condicionais, que lhe permitiriam modificar suas ações em resposta a diferentes situações.

Reconhecendo a importância de se terem resultados impressos, Charles procurou que os resultados finais e os intermediários fossem impressos para evitar erros. Dispositivos de entrada e saída eram assim necessários. A entrada de dados para a máquina seria feita através de três tipos de cartões: "cartões de números", com os números das constantes de um problema; "cartões diretivos" para o controle do movimento dos números na máquina; e "cartões de operação" para dirigir a execução das operações tais como adições, subtrações, etc. Mas o mais genial estava por vir: duas inovações simples mas que produziram um grande impacto. A primeira era o conceito de "transferência de controle" que permitia à máquina comparar quantidades e, dependendo dos resultados da comparação, desviar para outra instrução ou seqüência de instruções. A segunda característica era possibilitar que os resultados dos cálculos pudessem alterar outros números e instruções colocadas na máquina, permitindo que o "computador" modificasse seu próprio programa. Nestes temas teve importante participação, Ada Augusta Byron, condessa de Lovelace, a primeira efetiva programadora de computadores, sobre a qual ainda se falará.

 

 

A máquina de Jacquard, inspiração de Babbage

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É importante fazer uma menção a Joseph-Mariae Jacquard (1752-1834), o francês que introduziu a primeira máquina para substituir o trabalho humano. Na verdade, Babbage despertou para seu novo projeto observando a revolução produzida pelos teares de Jacquard§4. Era uma máquina que automatizava os processos de fabricação de tecido. Para executar um determinado trançado, a fiandeira deveria ter um plano ou programa que lhe dissesse que fios deveria passar por cima ou por baixo, quando repetir o processo, etc. O ponto chave da máquina de Jacquard era o uso de uma série de cartões cujos buracos estavam configurados para descrever o modelo a ser produzido. O sucesso foi total e em 1812 havia na França 11.000 teares de Jacquard23, volume V. Adaptando o tear de Jacquard, a Máquina Analítica processava padrões algébricos da mesma maneira que o tear processava padrões de desenhos.

 

 

Uma Lady como primeira programadora

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Ada Augusta Byron (1851 - 1852) era filha do famoso poeta Lord Byron e foi educada pelo matemático logicista inglês Augustus De Morgan. Bem cedo demonstrou ter grandes talentos na área. Apresentada a Babbage durante a primeira demonstração da Máquina de Diferenças, tornou-se uma importante auxiliar em seu trabalho, sendo sobretudo alguém que compreendeu o alcance das novas invenções. Ela percebeu que diferentemente das máquinas anteriores com funcionamento analógico (execução de cálculos usando medidas), a Máquina de Diferenças era digital (execução de cálculos usando fórmulas numéricas). Mais importante ainda, deu-se conta da combinação entre funções lógicas e aritméticas na máquina de Babbage.

Quando Charles Babbage visitou Turim a convite do amigo Giovanni Plana, astrônomo e compilador de tabelas, ele ministrou uma série de palestras para distintos públicos, incluindo Luigi F. Menabrea, futuro primeiro-ministro da Itália. Este ficou impressionado com o trabalho de Babbage e tomou uma série de notas, publicadas depois em 1842 pela Biblioteca da Universidade de Genebra. Lady Lovelace traduziu para o inglês essas notas, acrescentando muitas observações pessoais26. Esta publicação e outro ensaio (Observations on Mr. Babbage's Analytical Engine) a colocam como patrona da arte e ciência da programação. Conforme comentado por B.H. Newman, os escritos de Ada Byron "mostram como ela teve uma total compreensão dos princípios de um computador programado, um século antes do tempo deste"53. Mesmo não estando a máquina construída, Ada procurou escrever seqüências de instruções tendo descoberto conceitos que seriam largamente utilizados na programação de computadores como subrotinas, loops e saltos.

 


 

Outras Máquinas Diferenciais e Máquinas Analíticas

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Embora não fosse fácil, o trabalho de Babbage foi divulgado por um certo Dr. Dionysus Lardner, que procurou descrever a máquina e seu modo geral de operação80. Um sueco, George Scheutz, editor de um jornal técnico de Estocolmo, leu e ficou entusiasmado pela máquina descrita por Lardner e, sem comunicar-se com Babbage, propôs-se a construir a sua Máquina de Diferenças, junto com seu filho§5. Os anos de 1840, 1842 e 1843 marcaram etapas bem sucedidas no desenvolvimento do projeto, culminando com um modelo preliminar. Em outubro de 1854 o dispositivo de Scheutz estava completo e em funcionamento.

Outros, como por exemplo Alfred Decon, inglês, Martin Wiberg, sueco e G. B. Grant, americano, construíram modelos derivados e até 1931 Máquinas de Diferenças foram construídas para produzir diferentes tipos de tabelas80.

Com relação à Máquina Analítica, parece que o irlandês Percy Ludgate (1883-1922) projetou e tentou construir um mecanismo similar ao de Babbage, conforme pequena descrição feita em um diário científico de Dublin, em 1909.

 


 

A última contribuição do século XIX: Herman Hollerith

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O próximo passo importante na História da Computação não está relacionado com tabelas de cálculo de logaritmos ou desenvolvimento de leis do pensamento. O próximo "pensador" a avançar o estado da arte foi Herman Hollerith, um empregado de apenas 19 anos do United States Census Office. Seu papel não teve impacto sobre os importantes fundamentos teóricos da Computação e sua invenção já é obsoleta. Mas sua pequena inovação cresceu tanto na indústria que mais tarde Hollerith veio a dominar o uso da tecnologia de computadores. Em 1890 ele ganhou a concorrência para o desenvolvimento de um equipamento de processamento de dados para auxiliar o censo americano daquele ano. A empresa fundada para isto, Hollerith Tabulating Machines, veio a ser uma das três que em 1914 compôs a empresa CTR (Calculating-Tabulating-Recording), renomeada em 1924 para International Business Machine - IBM34.

Hollerith, inspirado pelos teares de Jacquard, desenvolveu a idéia de se aproveitar os cartões perfurados dos teares em uma máquina que pudesse interpretar, classificar e manipular as somas aritméticas representadas pelas perfurações. Ele combinou cartões perfurados com os novos dispositivos eletromagnéticos de então.

 


 

Computadores analógicos

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Há uma história interessante sobre os computadores analógicos, cujas origens estão em um passado distante. Muitos dispositivos analógicos foram desenvolvidos a partir do ano 400 a.C. Típicos instrumentos deste tipo são os astrolábios, o mecanismo Antikythera, os instrumentos de sinalização e os planetários80. Irá interessar particularmente para esse trabalho uma classe específica de instrumentos analógicos: as máquinas integradoras, que remontam a Maxwell, Faraday, Kelvin e Michelson, entre outros, que tentaram desenvolver dispositivos para executar operações matemáticas46. Essas foram usadas em projetos que exigiam a solução de equações diferenciais e modelagem de sistemas mais complexos, como o movimento das ondas do mar, evoluindo até os computadores eletrônicos analógicos, alguns ainda usados até os dias de hoje para aplicações especiais. Tais desenvolvimentos formam uma parte dessa infraestrutura que constituiu a base para o aparecimento dos computadores digitais.

Um computador analógico é um dispositivo no qual os números são representados por quantidades medidas e nos quais equações ou relações matemáticas são representadas por diferentes componentes, correspondendo a operações matemáticas singulares, tais como integração, adição ou multiplicação.

Um dispositivo analógico muito conhecido é a régua de cálculo. Ela consiste basicamente de dois trilhos graduados de acordo com os logaritmos de números, e os trilhos deslizam um sobre o outro. Os números são representados através de comprimentos nos trilhos e a operação física que pode ser executada é a soma de dois comprimentos nos trilhos. Sabe-se que o logaritmo de um produto de dois números é a soma dos logaritmos deles. Assim pode-se com a régua de cálculo formar a soma de dois comprimentos e executar multiplicação e operações correlatas.

Os componentes analógicos podem ser divididos em duas classes, dependendo da maneira como os números são representados: i) por quantidades mecânicas, como um deslocamento linear ou rotação angular; ii) quantidades elétricas, como voltagem, corrente, impedância, condutividade.

Se os deslocamentos lineares são usados para representar números, há caminhos simples, nos quais relações geométricas podem aparecer através de formas mecânicas. As operações matemáticas podem ser realizadas usando-se uma relação geométrica correspondente. Na figura ao lado pode-se ver um computador analógico muito simples.

 No final do século XIX, as equações matemáticas que apareciam nos estudos de física passaram a exigir uma grande quantidade de cálculos, quase impossíveis de se resolver na prática. Os físicos começaram a desenvolver sofisticadas ferramentas matemáticas para descrever, através de equações§6, a operação de determinados tipos de mecanismos, assim como conceber máquinas cujo movimento era feito de acordo com equações. Uma solução foi a de se criar um sistema físico análogo e cujo comportamento pudesse ser quantitativamente observado. Por exemplo: o fluxo de calor é análogo ao fluxo de eletricidade, onde temperatura corresponde a potencial elétrico. Logo, pela análise de camadas eletricamente condutoras, dispostas de maneira a simular as características de uma estrutura, pode-se investigar o fluxo de calor dentro dessa estrutura22, volume XI. Alguém que quisesse projetar um dispositivo desse tipo deveria: i) analisar quais operações desejaria executar; ii) procurar um aparato físico cujas leis de operação sejam análogas àquelas que se deseja executar; iii) construir o aparelho; iv) resolver o problema medindo as quantidades físicas envolvidas.

Dois nomes famosos estão diretamente ligados à efetiva produção de dispositivos analógicos para resolução de cálculos mais complexos: James Clerk Maxwell (1831-1879), o criador da teoria sobre a eletricidade e o magnetismo, e James Thomson. Ambos inventaram dispositivos analógicos por volta de 186026.

Em todos os dispositivos analógicos que começaram a aparecer, a operação fundamental é a da integral, isto é, todos eles produziam como saída , dado f(x) como entrada.

Dentro da evolução das máquinas analógicas, os analisadores diferenciais foram os dispositivos analógicos que mais tarde passaram a ser chamados propriamente de computadores analógicos.

 

 

Primeiras evoluções: século XV

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É por volta do século XV que aparecem dispositivos analógicos mais sofisticados, utilizados para prever os tempos de maré alta e baixa em alguns portos europeus. São os chamados "tide predictors", com suas escalas circulares, seus ponteiros que marcavam a posição do sol e da lua - e um interessante sistema de checagem desses dados - e que, juntamente com algumas informações específicas do porto, permitia ao usuário ler nas escalas do instrumento o tempo aproximado entre a maré alta e baixa. Quando na metade do século XVIII foi possível encontrar uma fórmula para o cálculo de séries de coeficientes de cosseno (y = A cos(u) + B cos(v) + C cos(w) + ...), Lord Kelvin construiu uma máquina analógica para avaliar essa fórmula. Chamou-a analisador harmônico, e um exemplo pode ser visto na figura.

Um desses primeiros dispositivos foi elaborado em 1878. Escrevendo sobre seu analisador harmônico de ondas do mar Kelvin disse: "O objetivo desta máquina é substituir o grande trabalho mecânico de calcular os fatores elementares que constituem a subida e descida da maré (...)"26. Uma análise harmônica consiste em se formar um número de integrais do tipo geral , onde g é uma função seno ou cosseno. A avaliação das integrais desse tipo foi o que Kelvin conseguiu, fazendo uma engenhosa adaptação de um integrador§7 elaborado por seu irmão.

A última invenção de Kelvin relevante para nossa história foi o que agora é chamado Analisador Diferencial, um dispositivo para a solução de sistemas de equações diferenciais ordinárias. Dos dispositivos chamados integradores é possível obter uma integral que é o produto de duas variáveis. Uma grande gama de sistemas de equações pode ser computada por esses componentes. Kelvin nunca chegou a construir sua máquina por não dispor de tecnologia suficiente. A dificuldade estava em como usar a saída de um integrador como entrada em outro. Na explicação de Maxwell, o problema central era a saída estar medida pela rotação de um disco ligado a uma roda. Esta roda é acionada por estar apoiada sobre um disco que gira em torno de um eixo. O torque desse disco - sua capacidade de girar a roda - é muito pequeno e consequentemente ele, de fato, não pode fornecer uma entrada para outro integrador§8. Esses problemas permaneceram suspensos por quase 50 anos até o desenvolvimento dos amplificadores de torque. Analisadores diferenciais mecânicos foram revitalizados por volta de 1925 e o mais famoso destes foi o construído no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) por Vannevar Bush§9.

 

 

Michelson e seu analisador harmônico; I Guerra Mundial

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"O principal obstáculo na construção de tal máquina está na acumulação de erros envolvida no processo de adição. O único instrumento projetado para efetuar esta adição é o de Lord Kelvin (...). O alcance da máquina é no entanto limitado pelo pequeno número de elementos na conta (...), pois com um considerável aumento no número de elementos, os erros acumulados devido aos fatores já mencionados logo neutralizariam as vantagens do aumento do número de termos na série."

São palavras de Albert A. Michelson (1852 - 1931) em 189852, um dos grandes físicos do século XX. Interessou-se pelo desenvolvimento de um analisador harmônico que pudesse manipular uma série de Fourier de até 20 termos, continuando a tradição das máquinas analógicas.

Durante a I Guerra Mundial tornaram-se estratégicos os problemas referentes aos cálculos balísticos, o que foi um incentivo à continuidade do desenvolvimento de máquinas computacionais. Um destes problemas é o de como determinar a função de deslocamento, observando-se a resistência do ar, em função da velocidade. Quando a artilharia aponta para objetos que se movem, como navios ou aviões, é essencial prever o movimento dos alvos.

Foram duas décadas (1910 e 1920) em que houve um grande aprofundamento teórico, com a formação de grupos de matemáticos nos EUA e Inglaterrra, cujas principais descobertas estão nos procedimentos numéricos para solução de equações diferenciais com grande precisão26.

 

 

Computadores analógicos eletromecânicos

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Nos primeiros anos do século XX muitos físicos e engenheiros de todo o mundo estiveram trabalhando em questões fundamentais da área de eletricidade. Centros de pesquisa foram criados em Harvard, no MIT, na IBM, na General Electric, e outros lugares. Eles tiveram sucesso na formulação matemática dos problemas em teoria de circuitos e muitos textos foram escritos nos anos da década de 1920, especialmente por Vannevar Bush no MIT, A.E. Kennelly de Harvard e do MIT, C.P Steinmetz da General Electric, entre outros26. Também não se pode esquecer o trabalho fundamental de Oliver Heaviside (1850-1897), um inglês que desenvolveu um dispositivo matemático para manipular equações e analisar indução eletromagnética, e o trabalho de Norbert Wiener junto a Bush.

Como se disse sobre Kelvin e seu analisador harmônico, o grande problema foi ele não dispor da suficiente tecnologia para desenvolver um dispositivo que executasse a operação de gerar a integral do produto de duas funções, , e por vários anos a idéia esteve esquecida até o desenvolvimento dos amplificadores de torque.

A partir de 1927 até 1931, Vannevar Bush e sua equipe no MIT desenvolveram mecanismos para resolver equações diferenciais ordinárias. Bush deve especialmente a C. W. Niemann, engenheiro e inventor do amplificador de torque Bethlehem, a possibilidade de ter construído seu famoso analisador diferencial, terminado em 1931. Usando o amplificador de Niemann, Bush pôde construir uma máquina usando exclusivamente integradores. Ainda mecânico, este dispositivo foi aprimorado durante a II Guerra Mundial, pela substituição dos mecanismos puramente mecânicos por corrente e voltagem, obtidas através de potenciômetros instalados sobre os discos cuja rotação representava quantidades. As voltagens correspondiam à soma, produto e a uma função de uma variável. Entram aqui conceitos de servo-mecanismos e amplificadores operacionais66.

Ainda dentro do mundo dos computadores analógicos, deve-se destacar o trabalho do físico inglês Douglas Hartree, da universidade de Manchester e Cambridge, que tentou resolver equações diferenciais parciais com analisadores diferenciais e que ao deparar-se com cálculos altamente complexos, anteviu e preparou o advento dos computadores eletrônicos26.

As novas descobertas da indústria e da ciência no campo da eletricidade - proporcionando rapidez e precisão nos equipamentos - juntamente com a limitação dos equivalentes analógicos eletromecânicos, acabaria por impor a nova tecnologia de circuitos. Uma nova era da Computação começava a ser desvelada. É necessário assinalar, no entanto, que novas máquinas analógicas eletromecânicas sucedâneas da última máquina de Bush, no MIT, em 1942 foram construídas e até 1960 ainda estavam em uso22, volume XI.

 


 

Circuitos elétricos e formalismo lógico: Claude Elwood Shannon

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Como um grande tapete, que se vai formando aos poucos por diferentes artesãos que não têm a visão de todo o conjunto, paulatinamente avançou a teoria e a técnica que levaram à construção do computador digital. Paralelamente aos matemáticos, também um jovem engenheiro, Claude E. Shannon, com a idade de 22 anos, deu uma grande contribuição à Computação: em 1937 ele estabeleceu uma ligação entre os circuitos elétricos e o formalismo lógico. Durante a Segunda Guerra Mundial, Shannon começou a desenvolver uma descrição matemática da informação, dando origem a um ramo de estudos conhecido como Teoria da Informação§10 e 25. Deu ainda importantes contribuições na área da Inteligência Artificial

O que Shannon fez em 1937 foi mostrar um caminho para projetar máquinas baseadas na lógica algébrica descrita um século antes por George Boole, aquela em que só havia dois valores no sistema de cálculo lógico: 1 e 0. Se um valor é verdadeiro, ele pode ser representado pelo valor 1 e, se falso, pelo 0. Nesse sistema, uma tabela-verdade descreveria os vários estados lógicos possíveis. Uma das características importantes da álgebra de Boole é que as operações lógicas podem ser colocadas juntas e formar novas operações. Claude Shannon percebeu que a mesma álgebra poderia descrever o comportamento de circuitos elétricos chaveados. Igualmente importante foi o modo como estas combinações entre entre operações lógicas e aritméticas poderiam ser usadas para se construir uma "operação de memória". A álgebra booleana torna possível a construção de um dispositivo de "estado" que pode armazenar qualquer informação específica, seja um dado ou uma operação. E se um circuito elétrico pode executar operações matemáticas e lógicas, e pode também armazenar os resultados de tais operações, então os computadores digitais podem ser construídos.
Em resumo:

    • Lógica booleana, cujas tabelas-verdade poderiam representar as regras de um sistema lógico formal;
    • tabelas de instruções da Máquina de Turing que podem simular as tabelas-verdade de Boole;
    • dispositivos como o relé - já então muito usados em telefones - para representar "estados" de máquina.
 

Em breve já seria possível a construção de circuitos elétricos que simulavam algumas operações lógicas. Shannon estava procurando um procedimento matemático que fosse o mais adequado para se descrever o comportamento de circuitos a relé§11. Sua tese de mestrado publicada em 1937 mostrou como a álgebra booleana poderia ser usada para descrever as operações desses complexos circuitos.

Nos dez anos seguintes ao seu primeiro trabalho - a citada tese -, Shannon dirigiu seu interesse para o estudo da da comunicação, parte de um trabalho já iniciado por Norbert Wiener, de quem se falará mais adiante.

Depois da guerra, tendo encontrado uma ferramenta perfeita para a descrição de circuitos a relé, Claude Shannon procurou definir matematicamente aquilo que as novas máquinas processavam. Shannon estava interessado nas leis subjacentes aos sistemas de comunicação de mensagens feitos pelo homem, na diferença entre ruído e mensagem e de como esta mantinha a sua ordem em um meio onde a "desordem" - ruído - é muito alta. Chegou a equações muito parecidas às do físico Boltzmann sobre as leis da entropia.

Em 1948 Shannon publicou dois trabalhos que originaram a Teoria da Informação (A Mathematical Theory of Information)§12. O desenvolvimento deu-se rapidamente, afetando não somente o projeto de sistemas de comunicação, mas também áreas como automatização, ciência da informação, psicologia, linguística e termodinâmica22, volume IX.

Em 1950 publicou "A Chess Playing Machine" onde propunha que computadores digitais poderiam ser adaptados para trabalhar simbolicamente com elementos representando palavras, proposições ou outras entidades conceituais, dando prosseguimento ao emergente ramo de estudos denominado mais tarde Inteligência Artificial. Em 1953, com "Computers and Automata" falou sobre simulação através de hardware e software de algumas operações do cérebro humano62, capítulo 6.

 

 


 

 

Notas

 

 

§1. Trabalho citado por Bolter, que descreve o dispositivo Antikythera, na Scientific American, junho de 1959, pgs. 60-67.

 §2. Havia também o problema, de modo algum simples, da invenção de mecanismos que produzissem os movimentos exigidos pelas engrenagens durante os cálculos

 §3. Esta máquina, conforme imaginada por Babbage, foi construída e colocada em operação pelo Museu de Ciência de Londres e mostrada com seus desenhos em 1862 durante exposição internacional. Em 1849 Babbage entregaria ao governo britânico uma nova versão da Máquina de Diferenças, que nem considerada foi. Em 1991 foi construida esta segunda versão 80.

 §4. O tear de Jacquard inspirou també a Herman Hollerith, sobre quem se falará mais adiante.

 §5. Em 1854, durante uma viagem a Londres, Scheutz pai e filho encontraram-se com Charles Babbage, que aprovou a máquina por eles construída. Ambos nunca esconderam depois sua admiração pelas idéias do inglês.

 §6. Como por exemplo equações diferenciais ordinárias, séries de transformações de Fourier, sistemas de equações algébricas lineares.

 §7. Integrador é também um dispositivo analógico, que produz como resultado a integral de f(x). Seria exaustivo e fugiria do escopo do trabalho falar sobre esses dispositivos - existem ainda os planímetros, para medir áreas de figuras traçadas por um operador humano, etc. - que fazem parte desses primeiros esforços em direção a sofisticados mecanismos analógicos.

§8. Outra dificuldade substancial: não é possível aumentar muito o número de termos em uma série pois o seu dispositivo de adição de termos junto levava a um acúmulo de erros. Para uma longa série de termos o resultado poderia estar completamente viciado.

 §9. Após a Segunda Guerra Mundial, analisadores diferenciais mecânicos começaram a se tornar obsoletos com o desenvolvimento de analisadores diferenciais eletrônicos e com o aparecimento da Computação eletrônica digital.

 §10. Busca a representação matemática das condições e parâmetros que afetam a transmissão e processamento da informação.

 §11. Um relé é uma chave ou dispositivo que abre ou fecha um circuito, permitindo ou bloqueando o fluxo da eletricidade. É semelhante a um interruptor de luz, com a diferença de que o relê não é ligado ou desligado por uma ação humana, mas pela passagem de uma corrente elétrica.

 §12.Informalmente falando, trata da representação matemática das condições e parâmetros que afetam a transmissão e processamento da informação. É importante notar que "informação", como entendida na teoria da informação, não tem nada a ver com o significado inerente na mensagem. Significa um certo grau de ordem, de não randomicidade, que pode ser medida e tratada matematicamente como as quantidades físicas.

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Fonte: HISTÓRIA DA COMPUTAÇÃO - Cléuzio Fonseca Filho - Site


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